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quarta-feira, 19 de junho de 2013

O Juruá que eu vi!

O Juruá que eu vi!

Hiram Reis e Silva, Coari, Amazonas, 02 de março de 2013.

Recebo carta amiga contando a morte de Gastão CRULS (...) Imagino a saudade com que todos estão recordando aqueles convites para a Rua Amado Vervo, na pequena casa decorada com lembranças da viagem ao Amazonas, o sorriso enternecido à lembrança de suas brincadeiras, que tinham um perfume de meninice, de primeiro-de-abril antigo – os presentinhos anônimos, os cartões disparatados que deixavam risonhos e intrigados os seus destinatários.
(Rachel de Queiroz – Revista O Cruzeiro – 29 de Agosto de 1959)

O título acima é uma homenagem, uma humilde paródia à obra do grande escritor Gastão Cruls que resolveu visitar pessoalmente a Amazônia para só então escrever sua segunda obra sobre assuntos atinentes à nossa hileia. Cruls tomou esta decisão depois de ver sua obra – “A Amazônia Misteriosa” – ser severamente condenada pela crítica especializada.

-  Gastão Luís Cruls

Gastão Cruls, filho de Dr. Luís Cruls, foi médico sanitarista, geógrafo, astrônomo e romancista, nasceu no antigo Observatório Astronômico do Morro do Castelo, na cidade do Rio de Janeiro, em 4 de maio de 1888, e nela faleceu a 7 de junho de 1959. Iniciou seus estudos no Colégio Rush. Com a transferência da família Cruls para Petrópolis, foi matriculado no Ginásio Fluminense que ao encerrar suas atividades, obrigou-o a continuar os estudos no Colégio São Vicente de Paula. Retornando ao Rio de Janeiro, conclui o secundário no Colégio Pedro II. Formou-se em Medicina em 1910, especializando-se em Medicina Sanitária. Gastão Cruls estudou Medicina por vontade própria, mas logo depois de formado, teve dificuldade em se adaptar às atividades profissionais e foi se afastando progressivamente de procedimentos que o levassem a manter contato com pacientes.

Sob o pseudônimo de Sérgio Espínola, começou a escrever seus primeiros contos nos idos de 1914, que mais tarde condensou em um único volume, editado em 1920, sob o nome de “Coivara”. A obra, porém, que lhe deu maior renome foi “A Amazônia Misteriosa”, em 1925 e, graças ao sucesso obtido, a partir de 1926 dedicou-se exclusivamente à literatura. “A Amazônia Misteriosa” foi baseada nas mitológicas Amazonas, e transformado em filme em 2005, com o título de “Um Lobisomem na Amazônia”. A sua obra tinha como cenário a região Norte do país, ainda desconhecida pessoalmente pelo autor.

Em 1928, Cruls resolveu conhecê-la pessoalmente acompanhando a expedição do General Rondon, que subiu o Rio Cuminá até os campos do Tumucumaque nos anos de 1928 e 1929. A viagem iniciou a 13 de setembro de 1928 e Cruls retornou após ter chegado aos campos situados ao Sul da Cordilheira do Tumucumaque, seguindo o conselho de Rondon, enquanto esse e sua equipe continuaram até chegar às próprias Cordilheiras.

O livro “A Amazônia que eu vi” é fruto dessa jornada que Cruls narra na forma de Diário de Viagem. O relato de Cruls, ao contrário dos demais pesquisadores que o antecederam, não tinha nenhum foco econômico ou científico, já que outros integrantes da equipe se encarregavam desses aspectos, sua função na expedição era simplesmente de ser o seu “cronista”. Cruls demonstra, ao contrário dos viajantes europeus e norte-americanos que o antecederam, um profundo respeito pela cultura regional, reportando as informações colhidas junto aos membros mais humildes da expedição.

-  O Juruá que eu vi!

“Ser bandeirante é deixar atrás a casa e família, o bem estar e a segurança, para perseguir o sonho e tentar a casa da glória, é viver silencioso e otimista na brenha onde não há rumos, no campo onde não há divisas, estremecer às vezes de febre, mas nunca tremer de medo, é sofrer com alegria o sol dos chapadões e resistir sem queixa nos aguaceiros de dezembro, é combater no varejo as cachoeiras e investir, de simples facão à cinta, contra a floresta.”
(Gofredo T. da Silva Teles)

As tensões e dúvidas da fase de planejamento da Expedição General Belarmino Mendonça deram lugar, desde a primeira batida do remo nas convulsas águas do Rio Juruá, a um período mesclado de puro encantamento e uma espartana determinação de vencer as barreiras impostas pelo inimigo oculto. Adversário este representado pela natureza por vezes hostil ou pela incompreensão de raros camaradas que ainda não se deram conta da grandeza do trabalho que ali estávamos realizando. Partimos confiantes, totalmente focados na missão idealizada pelo caro mestre e amigo Tenente-Coronel Eng Lauro Augusto Andrade Pastor Almeida e referendada pelo o General de Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, Comandante Militar da Amazônia.

Os Rios precisam e devem ser considerados como organismos vivos. A vida que pulsa nas suas águas e no seu entorno justifica esta afirmativa. Os Rios de planície, como é o caso do nosso Juruá, encontram-se na fase de uma adolescência indômita que está por se descobrir a cada momento e que atinge seus momentos de fúria nas grandes alagações. O curso se altera a cada inverno mais rigoroso transformando antigos furos em novo leito, desembaraçando-se de longas, demoradas e tortuosas voltas para buscar novos e mais rápidos rumos. Os sacados abandonados tornam-se piscosos lagos negros que por vezes simplesmente desaparecem aterrados pelos sedimentos. A vegetação da várzea que se entrelaça aprisiona entulhos favorecendo este assoreamento. As grandes toras de madeiras, por sua vez, represam detritos de todo tipo formando depois de algum tempo bancos de areia capazes de alterar o talvegue do Rio menino. Observando atentamente uma fotografia aérea da Bacia do mais sinuoso dos Rios podemos visualizar como se processa esta dinâmica hídrica. Marginam o juvenil Juruá jovens sacados, antigos e assoreados lagos, imensos igapós e poucos e tortuosos igarapés indecisos a esmar horizontes e que volta e meia toleram que o Juruá lhes furte o próprio leito ao moldar ilhas como Marari, Chué ou a enorme Antonina.

Percorremos, portanto, um Juruá que ainda busca seu leito definitivo. Um Rio que carrega no seu DNA as tradições do avô Amazonas que corria para o Pacífico nos tempos da Pangeia e do seu pai o Lago Pebas formado pela deriva continental quando os Andes se ergueram bloqueando a foz do velho Rio amazonas.

“A sumaumeira morta, que tombou.
Ela era antiga e gloriosa
Como um deus que passou,
Que vai bem longe, um deus heroico, um deus pagão”.
(Francisco Pereira da Silva, Pereirinha - Sumaumeira morta)

Guardaremos para sempre a imagem das belas sapopemas das sumaumeiras que sobranceiras guardam a floresta sob suas imensas e magníficas copas em todo o estado do Acre. Infelizmente, rapinantes cruéis praticamente as eliminaram da calha do Juruá no Estado do Amazonas e somente voltamos a avistá-las a jusante da Cidade de Juruá e no Rio Solimões.

O som gutural dos guaribas também chamou-nos a atenção, assim como as formidáveis sumaumeiras. Uma bela sinfonia castrada, aniquilada da aurora ou dos dias chuvosos em todo o Estado do Acre e nos municípios de Guajará e Ipixúna, no Estado do Amazonas. Teríamos uma justificativa técnica para isso ou seria simplesmente extermínio, o holocausto de uma espécie, já que sua carne é muito apreciada no cardápio ribeirinho?

As araras e botos, em contrapartida, nos deliciaram com suas aparições em toda a calha do Juruá e só começamos a sentir rarear sua presença ao navegarmos pelo Solimões.

O carinho e a atenção dos moradores da maioria das Comunidades ficarão eternamente marcados nos nossos corações e mentes. Em Carauari e Juruá, porém, o que marcou-nos foi o terror, sem fundamento, que os mesmos tinham pelos dois inocentes canoístas. Em algumas Comunidades mais alienadas não nos permitiram que se estabelecesse o contraditório, que nos defendêssemos, não consentiram ao menos que nos apresentássemos e expuséssemos nossas intenções simplesmente nos negando a cristã hospitalidade.

-  Mensagem a Garcia

Iniciei minha jornada acompanhado de dois Soldados do Grupo Fluvial do 8º BEC, Santarém, Pará, o Soldado Mário Elder Guimarães Marinho, apoio logístico, e o Sd Marçal Washington Barbosa Santos nosso cozinheiro e canoísta. Durante a viagem, no dia 1º de fevereiro, quando partíamos da Morada Nova para a Boca do Preguiça o Mário foi merecidamente promovido a Cabo. Mais uma vez quero deixar aqui registrado que se conseguimos abreviar a missão cumprindo todas as etapas propostas devo isso, sobretudo, à competência e a dedicação que esses dois militares dedicarem diuturnamente à missão não se desviando jamais dos objetivos almejados.

Meus parceiros nunca reclamaram das dificuldades enfrentadas, eles tinham sido voluntários para a missão e quando eu lhes apresentava um desafio ainda maior que os já superados eles simplesmente sorriam e vibravam. Assim foi quando disse que precisávamos vencer os 235 km entre a cidade de Juruá e a Comunidade de Tamaniquá e os 229 km entre Tefé e Coari em apenas dois dias ou o de agora de aportarmos em Codajás depois de um dia de viagem remando 138 km. Meus parceiros pertencem a um raro, seleto e cada vez mais escasso punhado de homens capazes de entregar uma “Mensagem a Garcia”.

Para aqueles que não conhecem a história:

O Presidente norte-americano William Mac Kinley (1843-1901) quando irrompeu a Guerra entre a Espanha e os Estados Unidos, precisava comunicar-se, rapidamente, com o chefe dos revoltosos Major-general cubano Calixto Ramón García Iñiguez (1836-1898) que se encontrava em uma fortaleza desconhecida, no interior do sertão cubano. O Presidente Mac Kinley entregou ao Coronel Andrew Summers Rowan (1857-1943) uma carta destinada ao insurreto García. Rowan tomou-a, nada perguntou e cumpriu, sem pestanejar, a missão de encontrar e entregar a mensagem a Garcia.


-  Encerramento dos trabalhos de campo da Expedição GBM

Convidamos aos amigos que acompanharam fielmente nossa jornada cívica a comemorar nossa chegada às 15 horas, do dia 10 de março de 2013, no porto do Centro de Embarcações do Comando militar da Amazônia. Participe e\ou convide seus amigos a fazer parte da escolta fluvial no Rio Negro ou do congraçamento nas instalações do CECMA.


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