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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Cruzeiro do Sul/Ipixuna


Cruzeiro do Sul/Ipixuna

Hiram Reis e Silva, Ipixuna, AM, 08 de janeiro de 2013.

-  Partida para o Extremo da Boa Fé (05.01.2012)

Nossa partida de Cruzeiro do Sul foi adiada tendo em vista o feriadão da passagem do ano que retardou as medidas administrativas necessárias a enfrentar os 2.745 km que nos separavam da 16º Brigada de Infantaria de Selva – a Brigada das Missões, comandada pelo General Paulo Sérgio, onde poderíamos contar, novamente, com o apoio do Exército Brasileiro.

Partimos às 06h30 (hora oficial do Acre) com a ideia de percorrer os 260 km que nos separavam de Ipixuna em quatro dias, uma média de 65 km/dia que poderia ser alcançada, confortavelmente, com sete horas de remo diárias. Aqui no Amazonas, como no Acre, os ribeirinhos ainda não adotaram a mudança de horário decretada pelo governo, e ainda consideram uma hora a menos que o horário oficial como pudemos verificar na Comunidade de Porungaba/AC. Como impor um horário oficial a um povo cujo trabalho está ligado diretamente às leis da natureza?

Quando ultrapassamos o limite entre o Estado do Acre e do Amazonas o relógio do celular, automaticamente, alterou o horário e mais uma vez verificamos a incoerência de se adotar o mesmo fuso horário para um Estado Continental como este. Aqui os ribeirinhos, também, continuavam com o chamado “horário velho”.

O dia transcorreu sem grandes alterações, continuei marcando a localização e o número de famílias das Comunidades e não avistamos, neste dia, nenhum afluente do Juruá. Os pequenos e graciosos botos tucuxis apareceram diversas vezes e pareciam mais preocupados em demonstrar suas habilidades acrobáticas do que realmente pescar. Por volta das doze horas solicitei ao Soldado Mário que nos ultrapassasse e procurasse alguma comunidade que possuísse uma escolinha onde pudéssemos acampar com certo conforto. Eu e o Marçal estávamos preparados para remar por mais umas duas horas, mas o Mário aportou em uma pequena Comunidade à frente onde conseguiu autorização da esposa do Sr. Expedito Braz da Conceição para que acantonássemos na escolinha da pequena Comunidade Extremo da Boa Fé. Havíamos remado 80 km neste dia.

A quantidade de piuns era impressionante, depois de tomar banho no Rio, entrei para barraca, montada na sala de aula da Comunidade e dei início à digitação dos dados coletados. Os piuns, para os quais não existe qualquer tipo de repelente nativo ou industrializado, me atormentavam. Os pequeninos insetos passavam pela tela da barraca como se ela não existisse.

A noite foi relativamente tranquila, exceto pelos grunhidos dos porcos que tinham se abrigado da chuva sob o piso da escolinha e passaram a noite inteira grunhindo e por vezes brigando.

-  Partida para a Comunidade Boca do Campina (06.01.2012)

Remamos pouco menos de 20 km e chegamos ao chamado por alguns ribeirinhos de “Paraná Boa Fé”, que na verdade é um Rio, pois suas águas não ligam o Juruá a qualquer outro Rio como seria o destino de um verdadeiro Paraná.

Continuando nossa expedição abordamos o Estirão do Ipixuna, que se inicia desde a foz de um pequeno Igarapé que leva o mesmo nome do Estirão e que é conhecido por alguns ribeirinhos como Igarapé do Cagão (coordenadas da foz –07º14’03,7”S / 72º18’14,3”O). É, sem dúvida, até então, o trecho em que o Juruá é menos sinuoso, apenas nove curvas importantes, se estendendo por uns 30 km até as coordenadas 07º12’44,2”S / 72º07’03,2”O. Eu havia solicitado que o Mário marcasse algumas Comunidades para que pudesse confrontar os dados mais tarde com os meus e, graças a isso, ele só conseguiu nos alcançar nas proximidades da Comunidade da Boca do Campina, à margem direita do Juruá e do Igarapé Campina que faz a divisa dos municípios de Guajará e de Ipixuna. Havíamos remado 85 km neste dia.

Após contato com o professor Raimundo Nonato Andriola, da Escolinha Sólon Melo, conseguimos autorização para acantonar na mesma. Antes de ocuparmos a escolinha o professor determinou às filhas e sobrinha que fizessem uma faxina na mesma. A esposa do professor, Maria Gesilda Saturnino da Costa, agente de saúde da Comunidade, permitiu que o Marçal preparasse o nosso almoço na sua cozinha e mais tarde fizeram uma festa surpresa, em comemoração ao meu aniversário, com direito a bolo e refrigerante. O professor e sua família foram por demais prestativos e nos proporcionaram toda atenção possível.

Passeamos eu e o professor, pela Comunidade e, mais de uma vez ouvi as reclamações dos ribeirinhos em relação às restrições do pessoal ligado ao meio-ambiente que acabam provocando a evasão dos mesmos em direção aos grandes centros. Como se já não bastassem as precárias condições de vida que lhes inflige o meio extremamente hostil, lhes são impostas restrições de toda a ordem que impedem as comunidades de alcançar uma vida mais digna e com mais segurança. Nesta Comunidade existe um enorme Jacaré-açu que volta e meia lhes subtrai animais domésticos criados com tanta dificuldade. Na época da alagação, as águas permitem que este animal transite com liberdade pela Comunidade e sob as casas criando um clima de terror entre seus membros. O trânsito entre as residências é feito através de um terreno encharcado que poderia ser melhorado através de passarelas, mas seria necessário usar a madeira da mata vizinha e aí entram os talibãs verdes impedindo ou dificultando providências desta espécie. O professor estava de prontidão na hora de nossa despedida e partimos guardando em nossos corações, mais uma vez, o carinho e a consideração do povo das águas.

-  Partida para a Ipixuna (07.01.2012)

Partimos logo ao alvorecer tendo como objetivo aportar em Ipixuna, a 95 km de distância. Graças ao bom Deus a chuva intensa que caiu durante a noite arrefeceu a canícula amazônica e depois de pouco mais de hora de remo experimentamos uma chuvinha fina e agradável que refrescava nossos corpos atenuando em muito nosso esforço.

Demarcamos a Foz principal do Riozinho da Liberdade (07º10’51”S / 71º48’42”) e uma Foz mais a montante (07º11’21”S / 71º50’04,2”), que na época da alagação gera uma segunda Boca. Confirmamos essa nossa interpretação, baseada na fotografia aérea do Google Earth, de 31.12.1969, e de nossa observação do terreno, baseada no relevo e vegetação e confirmamos nossas expectativas com moradores locais

Há pouco mais de 30 km de Ipixuna, nas proximidades da Comunidade Nova Esperança, identificamos um Furo (07º08’32,5”S / 71º47’30,8”O). O tumultuário Rio eliminara, mais uma vez, um de seus inúmeros laços abreviando seu traçado. Na chegada a Ipixuna tentamos, sem sucesso, pedir apoio à expedição contatando com as autoridades Policiais Militares através da central de Manaus. Esta é minha quinta incursão pelos amazônicos caudais de modo que, lembrando de minha primeira expedição, pelo Solimões, pedi ao Sd Mário que solicitasse a um moto-táxi que avisasse de nossa presença no porto da cidade.

Mais uma vez, nossos amigos da Polícia Militar, desta feita representados pelo 1º Tenente Rodney Barros Ferreira, nos apoiaram incansavelmente. O Tenente nos colocou em contato com o representante do empresário Abraão Cândido, que conhecêramos em Manaus, com a finalidade de aportar as embarcações e guardar nossos pertences.

Depois de descarregarmos o material da lancha o Tenente nos levou até o restaurante da simpática acreana, Sra. Consuelo, que havia preparado uma saborosa refeição para os exaustos navegantes. O prestativo policial providenciou acomodações em um hotel e nos indicou aonde fazer as refeições. Graças ao novo amigo da PM do Estado do Amazonas conseguimos fortalecer nossos corpos antes de partirmos para uma jornada maior de 570 km até Eirunepé.


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