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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Pioneiros Brasileiros

O Purus e o Juruá abriram-se há muito à entrada dos mais díspares forasteiros - do sírio, que chega de Beirute, e vai pouco a pouco suplantando o português no comércio do “regatão”; ao italiano aventuroso e artista que lhes bate as margens, longos meses, com a sua máquina fotográfica a colecionar os mais típicos rostos de silvícolas e aspetos bravios de paisagens; ao saxônio fleumático, trocando as suas brumas pelos esplendores dos ares equatoriais. E, na grande maioria, lá vivem todos; agitam-se, prosperam e acabam longevos. (CUNHA, 2000)

-  A Saga dos Pioneiros
O “Juruá Federal” escrito pelo Dr. José Moreira Brandão Castello Branco Sobrinho foi publicado pela primeira vez nos Anais do Congresso Internacional de História das Américas da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1922. Esta obra magnífica é o resultado das pesquisas realizadas pelo próprio autor quando este era Juiz de Direito em Cruzeiro do Sul, AC. nomeação do então Bacharel Castello Branco pelo Presidente da República como Juiz Municipal do 2° Termo da Comarca de Cruzeiro do Sul, no Território do Acre, foi publicada no DOU de 06.03.1913. O livro constitui-se, ainda hoje, em um dos acervos mais completos e fiéis sobre a região do Juruá.
Ferdinando Denis, no seu livro Brasil, publicado em 1838, ao tratar dos principais afluentes do Amazonas, omite o Juruá e o Purus dando somente na mesma direção o Javari, Madeira, Tapajós e Xingu, porque nesse tempo o Juruá era tido como de pouca importância. Esta suposição é confirmada pelo padre Constantino Tastevin, na monografia “O Juruá”, publicada em 1920, na La Géographie, de Paris, em que afirma que os portugueses nunca pensaram em se estabelecer no Juruá, que até Chandless, passava por ser menos importante que o Jutaí. Dava-se um curso de uns 1.000 quilômetros, ou seja, menos de um terço de sua verdadeira extensão, parecendo, assim, que se o não conhecia além de Urubu, cachoeira no Vale do Chiruan.
O geógrafo Chandless, que explorou mais da metade do Juruá, cerca de 1.260 milhas, não alcançou o Ipixuna, voltando do Seringal Ouro Preto, 80 milhas abaixo da Foz do Moa.
Em 1854, diz João Wilkens de Matos, Secretário do Governo da Província do Amazonas, num relatório apresentado ao Presidente Herculano Penna, que após uma viagem de 40 dias, em canoa, se chegava à boca do Parauacu, hoje Tarauacá. Ainda o mesmo Wilkens, em 1858, na qualidade de Diretor de Terras, informa a existência de silvícolas aldeados até o Lugar Xue, no Baixo-Juruá.
Chandless que, em 1867, aproximou-se da fronteira do território com o Estado do Amazonas, refere ter sido antecedido pelo brasileiro João da Cunha Corrêa, o qual lhe dissera que havia subido o Tarauacá, daí passando ao Envira, donde varou para o Purus. (SOBRINHO)
O autor do “Juruá Federal” teve a oportunidade ímpar de entrevistar Guilherme da Cunha Corrêa, filho de João da Cunha Corrêa — o João de Cametá e comprovar a afirmativa de William Chandless.
Esta narrativa é comprovada pelo testemunho de Guilherme da Cunha Corrêa, ainda vivo e proprietário do Seringal Concórdia, no Baixo-Juruá, filho do referido João da Cunha Corrêa, que era natural de Cametá, Estado do Pará.
Acrescenta o dito Guilherme que seu pai fora nomeado Diretor dos Índios do Rio Juruá, entre 1855 e 1857, na administração do Dr. Antônio Ferreira do Amaral, época em que cometiam a Manoel Urbano da Encarnação idêntico encargo no Rio Purus, e nesse caráter fizera uma demorada viagem pelo Juruá, colhendo alguns produtos da região e distribuindo pelos indígenas grande quantidade de machados, terçados, facas, miçangas e fazendas, conseguindo alcançar a Foz do Rio Juruá-mirim, muitas milhas além da fronteira da Zona Estadual com a Federal.
Nunca hostilizaram os silvícolas. De quem soube granjear amizade e confiança, tendo eles apenas no Estirão dos Nauas, se retirado de suas tabas para a margem oposta do Rio.
Nessa viagem, João da Cunha Corrêa, encontrou uma índia velha com duas filhas, que foram conduzidas a Tefé, sendo depois batizadas pelo Padre Torquato Antônio Ribeiro, de Fonte Boa. Regressando do Juruá-mirim, o denodado bandeirante subiu o Rio Tarauacá, penetrou no Envira, alcançou o Vale do Purus, num de seus afluentes, denominado, hoje, segundo parece, Chandless. Aí procurou Manoel Urbano, conhecido pelos indígenas por “tapaúna catu” (o preto bom), e como não o encontrasse por ter subido o Purus, Corrêa voltou ao Tefé, levando em sua companhia uma outra índia, que lhe dera um “tuchaua”, a qual foi batizada com o nome de Leocádia, e faleceu em 1912. Era quase branca, de rosto oval e bem conformado, estatura mediana, nariz pequeno e aquilino.
Esta viagem de João Corrêa ao Alto-Juruá, por essa época é de certo modo confirmada pelo pernambucano Serafim Salgado, na sua exploração ao Rio Purus, em 1857, quando assevera que os índios “Cucumas” lhe declinaram nomes dos brasileiros civilizados que viram nas cabeceiras do Juruá.
Assim, não padece dúvida que o destemido sertanista foi quem primeiro transitou terras do Juruá Federal, na qualidade de Diretor dos silvícolas. (SOBRINHO)
A exploração comercial do Vale do Juruá já se iniciara, ainda que de forma incipiente, antes mesmo da viagem de João de Cametá com os regatões que subiam o Rio e seus afluentes em busca de plantas medicinais e especiarias da região e que foi incrementada, mais tarde, com o aumento significativo da produção da goma elástica depois da chegada dos seringalistas atraídos à região pela quantidade e qualidade da Hevea brasiliensis (Seringueira).
Em princípios de 1884, o pernambucano Antônio Marques de Meneses, vulgo “Pernambuco”, acompanhado de Antônio Torres, Pedro Moita, José Vieira, Manoel Meneses, Jacinto de Tal e Joaquim Nascimento, aportava ao Estirão dos Nauas, donde voltou, sem demora, por ter sido atacado pelos índios, que lhe deram uma surra.
Em maio do mesmo ano (1884), aportavam em Manaus, os italianos Henrique Gani, Antônio Brozzo, Domingos Stulzer, vindos da República Argentina, que ali encontraram os seus compatriotas Antônio Marcilio e Luiz Paschoal, sócios e proprietários do Seringal Nova Iorque, no Baixo-Juruá, nesse tempo pertencente ao Município de Tefé e hoje ao de São Felipe (Eirunepé).
A convite dos últimos, vieram aqueles em sua companhia para o aludido Seringal Nova Iorque, seguindo depois para o Alto-Juruá, em viagem de exploração, trazendo consigo os cearenses Ismael Galdino da Paixão e Domingos Pereira de Sousa, que exploraram, em junho seguinte, esse pedaço do Juruá, que vai do referido Estirão dos Nauas à Embocadura do Juruá-mirim.
Esses excursionistas foram os primeiros que exploraram o Rio com o fim de o povoarem, tanto que, pelo caminho, iam deixando sinais de sua passagem, respeitando, porém, a parte visitada por Pernambuco, somente porque este lhes avisara de que havia passado por ali e pretendia localizar-se numa terra firme, próxima à Foz do Rio Moa, na qual, atualmente, se acha implantada a cidade de Cruzeiro do Sul. Encontraram eles pelas cercanias do Rio Moa extensos bananais ou grande número de índios, que os iam seguindo com o maior interesse, por terra. No meio do Estirão dos Nauas, justamente no local em que hoje se encontra o Barracão do Seringal Buritizal, foram os viajantes à terra, deparando com uma enorme maloca dos silvícolas chamados “Nauas”, os quais deram o nome ao dito Estirão, e após uma certa demora, necessária apenas para oferecerem aos aborígines alguns brinquedos ou outros objetos que lhes despertassem a curiosidade, continuaram sua rota, parando novamente na extremidade Sul do referido Estirão, na terra firme, presentemente apelidada “Colônia Rodrigues Alves” e daí encontraram novamente muitos índios, tendo-lhes feito oferecimentos idênticos. Foram, porém, obrigados a fazer fogo para o ar, a fim de os atemorizar, uma vez que eles tentaram lançar mão de suas armas, instrumentos esses que os indígenas prestavam muita atenção e pelos quais se mostravam assaz interessados desde o primeiro encontro na parte central desse Estirão. Coube aos italianos a parte do Rio que vai do Seringal Treze de Maio ao Paraná dos Mouras e aos brasileiros do Tatajuba ao Juruá-mirim.
Um lustro (período de cinco anos, meia década) após, em 1889, outros expedicionários, José Serafim dos Anjos, vulgo “Tucandeira”, Joaquim Nascimento, José Raimundo, vulgo “Zé-Grande”, e Antônio Doutor, Francisco Barraqueiro e Norberto de Tal, sob a direção de Francisco Xavier Palhano, foram do Juruá-mirim até Flora, numa canoa chamada “Fura Mundo”, que partiu do Porto de Redenção, de Bernardo Costa, próximo ao Rio Liberdade, por conta de quem faziam a exploração, não podendo ir além por ter sido ferido Antônio Doutor.
No ano seguinte (1890), o mesmo Francisco Xavier Palhano partiu do dito Porto de Redenção, em companhia de José Tucandeira, Francisco de Oliveira Lima, vulgo “Lagartixa”, João Facundo da Costa, Antônio Ramalho, Joaquim Nascimento e Conrado de Tal, chegando a explorar de Tanaré a Minas Gerais, tendo sido flechado Antônio Ramalho e João Facundo, numa sapopema que fica num Sacado abaixo do Triunfo, depois de uma grande luta com os índios Capanauas.
Subiram depois, mas no mesmo ano (1890), o português Antônio Granjeiro, que deu nome ao Tejo, João Pereira dos Anjos, Francisco Agostinho, Antônio Poeta e o referido Francisco Xavier Palhano, que exploraram da Boca do Tejo ao Breu. Doze brasileiros, entre os quais Valdevino José de Oliveira, ainda vivo e residente em Pirapora, Manoel Tomás, José Tucandeira, Maximino Rodrigues, Francisco de Oliveira Lima, vulgo “Lagartixa” ou “Galo”, Antônio Luiz de Andrade, João Dourado, Antônio Rocha e Francisco Barreto, exploraram o Juruá do Rio Breu até perto de cem praias acima da Foz do Rio Vacapistéa, o que não tem grande importância para o nosso trabalho, mas citamos para mostrar que os nacionais foram muito além do território brasileiro, pelo Tratado de Petrópolis, sem topar com os peruanos.
Em 1888, o Moa era desvendado de sua Barra até o Seringal denominado São José, por Joaquim Barros Rego, Manoel Mendes de Matos, Francisco Teobaldo de Melo e Amaro Teobaldo de Melo, José Merouca, João Veríssimo, José Batista de Lima e Antônio Xavier Moreira. Deste ponto em diante, foram seus investigadores João Batista de Lima, Rufino José da Silva, José Alves da Silva, Miguel de Almeida, Francisco José de Melo, Joaquim de Barros Rego, Sebastião Costa, Luiz Monteiro, Joaquim Tomás da Rocha, Amaro Teobaldo de Melo, Francisco Teobaldo de Melo e Vicente Ferreira Lima, em épocas diversas.
O Rio Azul ou Breguesso, afluente do Moa, foi explorado em 1893 por Joaquim Tomás da Rocha, Francisco e Amaro Teobaldo de Melo, Raimundo Cláudio, Francisco das Chagas Moreira e José Alexandre.
O Juruá-mirim foi explorado por Ismael Galdino da Paixão, Joaquim Correia de Oliveira, Francisco Albuquerque (da firma Cohen & Albuquerque), Manoel Martins, Manoel Felipe, José Joaquim e Boaventura de Tal.
O Tejo, de sua Foz até Restauração, em 1890, teve como exploradores José Joaquim de Lima, Francisco Lagartixa, Manoel Tomás, Antônio Peixoto, Francisco Ferre, João Dourado e Vicente Venâncio de Almeida.
Mais tarde Manoel Patrício, André Lopes e Mariano de Barros percorreram o resto do Tejo e o Riozinho das Duas Bocas, importante afluente de sua margem direita.
O Alto Rio Liberdade teve como principal explorador, em 1894, Pedro Juvêncio Barroso. (SOBRINHO)
- A Seca Grande (1877-1879)
Guiado talvez por instintivo impulso de aventura, desprezou as regiões dos baixos Rios, que continuaram a ser o habitat da população indígena, penetrou os altos sertões e violou-os até as linhas imprecisas de suas fronteiras ainda mal traçadas. (LIMA)
A maior seca de todos os tempos assola a região nordeste vitimando mais de 500 mil nordestinos. O auge da produção e comercialização da borracha estimula enormes levas de flagelados a serem transportados precariamente para os seringais. Milhares perdem a vida no trajeto e os sobreviventes são abandonados à própria sorte na floresta hostil.
Os famintos do interior precipitavam-se desesperados pelas estradas em demanda da capital. Os caminhos eram teatro das mais pungentes cenas! As caravanas de retirantes a marchar sempre, como o Ashaverus da legenda, suplicando embalde à muda imensidade uma gota d’água para lhes mitigar o calor dos lábios incendiados pela sede! Tudo era miséria e desolação! As árvores, como esqueletos de pé, estendiam os braços ao espaço, enquanto um vento quente e impetuoso varria do solo as folhas torradas pelo Sol! (THEOPHILO)
O Seringueiro, como o sertanejo de Euclides da Cunha, era antes de tudo um forte, não esmorece e com a obstinação de um titã, com uma energia e tenacidade assombrosas enfrenta, heroicamente, a floresta, os selvagens e as feras que os espreitam nas estradas da seringa. É uma raça extraordinária empreendendo uma marcha colonizadora épica jamais registrada nos anais da História da Humanidade. Pouco a pouco, os seringais vão prosperando nas margens do Madeira, do Purus, do Acre, do Tarauacá, do Juruá, do Abunã, do Iaco e do Beni. Não lhes importa de quem seja aquilo, como dizia Euclides da Cunha, era “terra por desbravar, por construir”. O látex transforma a Amazônia num verdadeiro El-Dorado
-  O Vaticínio de William Chandless
William Chandless, como todos cientistas e naturalistas estrangeiros que percorreram os “ermos sem fim” da Amazônia Brasileira não acreditavam na férrea determinação e a ciclópica vontade de uma raça forjada no calcinado sertão nordestino expulsa de seu torrão natal pela seca inclemente. Desconheciam a força de uma raça capaz de enfrentar as mais adversas reações do meio físico, uma raça que foi capaz de adaptar-se e triunfar sobre a natureza, gravando nas páginas de nossa história gloriosas páginas de civismo e de heroicidade. William Chandless não tinha a lucidez de um Euclides de Cunha que nos faz uma análise importante, no seu “Um Paraíso Perdido”, de como os vigorosos estrangeiros nordestinos pagaram caro o aclimatamento à “Terra das Águas” antes que os genes mais vigorosos dos pioneiros, fossem impregnados com as suas melhores e mais fortes qualidades e repassados às novas gerações.
Figura 01- Seringueiro (Percy Lau)
De fato — à parte o favorável deslocamento paralelo ao Equador, demandando as mesmas Latitudes — não se conhece na História exemplo mais golpeante de emigração tão anárquica, tão precipitada e tão violadora dos mais vulgares preceitos de aclimatamento, quanto o da que, desde 1879, até hoje atirou, em sucessivas levas, as populações sertanejas do território entre a Paraíba e o Ceará para aquele recanto da Amazônia. (...) Salvam-se os que melhor balanceiam os fatores do clima e os atributos pessoais. O aclimado (aclimatado) surge de um binário de forças físicas e morais que vão, de um lado, dos elementos mais sensíveis, térmicos ou higrométricos, ou barométricos, às mais subjetivas impressões oriundas dos aspectos da paisagem; e de outro, da resistência vital da célula ou do tônus muscular, às energias mais complexas e refinadas do caráter. Durante os primeiros tempos, antes que a transmissão hereditária das qualidades de resistência, adquiridas, garanta a integridade individual com a própria adaptação da raça, a letalidade inevitável, e até necessária, apenas denuncia os efeitos de um processo seletivo. Toda a aclimação é desse modo um plebiscito permanente em que o estrangeiro se elege para a vida. (CUNHA, 2000)


-  Migração Nordestina
O historiador João Craveiro Costa no seu livro “A Conquista Ocidental do Deserto Ocidental”, editado pela Companhia Editora Nacional, em 1940, rebate o vaticínio de William Chandless e relata a migração nordestina.
O Purus
(...) a exploração científica de Chandless, em 1864, até as cabeceiras da grande artéria fluvial e a consequente Expedição do geógrafo inglês, no ano seguinte, ao Rio Acre até as suas vertentes, viagens que ficaram documentadas por excelentes cartas e pela fixação dos respectivos pontos astronômicos. A impressão de Chandless não foi favorável ao Purus. Dela refere E. Reclus a notícia que nos chegou. Levou-a Chandless ao conhecimento da Geographical Society, de Londres, prenunciando ao grande Rio séculos para o seu povoamento, “tal o flagelo dos mosquitos, a insalubridade dos campos ribeirinhos e as mudanças incessantes que se dão no regime do Rio”.
Mas o próprio Chandless registrou o movimento comercial que se operava no Purus. A exportação, em 1861, não era para desprezar: 793 arrobas de salsaparrilha, 9.936 de cacau e 16.777 de borracha. Três anos depois se verificava um aumento sensível: salsaparrilha 3.092 arrobas, 14.100 de cacau e 36.625 de borracha. A importação, segundo o mesmo explorador, assinalava a cifra de 20.000 libras esterlinas, aproximadamente.
Falhou o vaticínio de Chandless. A riqueza vegetal das margens do Purus despertou a cobiça do comércio e, em 1869, começou ele a ser navegado por vapores da Companhia Fluvial Paraense, organizada no mesmo ano da celebração do Tratado de Limites com a Bolívia, para a navegação do Amazonas e seus tributários principais.
Em 1871, excedia de 2.000 o número de seringueiros na região estabelecidos e a fundação da cidade de Lábrea, à Foz do Rio Ituxi por Pereira Lábrea, data daquele ano.
Não eram o Purus e o Acre, como declarou o Sr. Dyonizio de Cerqueira, uma região abandonada, por ocasião do tratado de 1867. Pela Bolívia ela o era certamente, não só abandonada, mas inteiramente desconhecida.
O Acre entrou para os nossos conhecimentos hidrográficos desde 1860, pela exploração de Manoel Urbano, ao passo que os bolivianos o desconheciam por completo, tanto assim que o próprio Beni, “depois de várias tentativas para ser explorado, só o foi em 1881 por Antenor Vasquez e em 1884 pelo padre Armentia”. (COSTA)
O Juruá
O mesmo quanto ao Juruá. A exploração comercial deste Rio pouco antecede de 1860, época em que ficamos de fato conhecedores da geografia amazônica. Fê-la a aventura dos regatões à cata de plantas medicinais e especiarias da região, em contato com os aborígines menos hostis, das margens dos grandes cursos. Mas a sua navegação a vapor data apenas de 50 anos, numa extensão de 1.606 milhas náuticas.
É também a Chandless que se deve a sua primeira exploração científica, quanto às condições de navegabilidade. O ilustre geógrafo percorreu e pesquisou o Juruá até 7°12’72”, mais ou menos no Rio Liberdade, donde recuou à flecha ervada (envenenada) do indígena desconfiado, os Nauas, dominadores daquelas paragens. Essa exploração foi em 1866.
Chandless publicou em 1869 o seu mapa do Juruá, hoje clássico, rematando assim a sua Expedição de dois anos antes. Seguiram-se Augusto Hilliges e Lopes Neto, que excederam a Chandless, levando a exploração à Foz do Breu. Um mapa minucioso de Hilliges documenta essa importante empresa científica. Há, ainda, a mencionar a pesquisa de Charles Broon, em 1874.
Das explorações comerciais e das investigações científicas ao povoamento das duas vastas bacias vai um passo. Quase foram simultâneas. O povoamento, contudo, foi tardo e penoso, uma verdadeira odisséia que o sertanejo do nordeste escreveu na história nacional.
A Província do Amazonas não dispunha de recursos para acelerar o povoamento de seu vastíssimo território. Manaus, como ainda hoje, concentrava a atividade que tibiamente se ensaiava, não passando contudo de uma aldeia, com cerca de 5.000 habitantes, ainda em 1879, segundo Mathews, que a visitou nesse ano.
Avalia-se hoje, aproximadamente, a população de Manaus em 100.000 habitantes O recenseamento iniciado no Governo de Carneiro da Cunha, em 1862, dava, em 1865, para a cidade de Manaus, 2.080 habitantes (...). O grosso da população estrangeira era portuguesa. Na época censitária havia 43 casas de comércio portuguesas e “apenas 27 brasileiras”.
Todo o interior da Província, cuja principal artéria de comunicação esteve fechada à navegação até 1867, participava da deficiência de meios administrativos, que entorpecia a própria capital. (COSTA)
Figura 02 - Regatão  (Percy Lau)
Os índios continuavam refratários ao trabalho, perdidos na densidade da floresta e no miserável viver das malocas. E mesmo que assim não fosse, não seriam eles precisamente valores reais de atividade e desenvolvimento econômico. Por seu lado, a população proveniente do caldeamento do português com o índio e o negro — este escassamente importado para as agruras do cativeiro — essa população que orçava por alguns milhares, espalhados pelos barrancos de alguns Rios mais frequentados, não bastava para imprimir à região um intenso sopro de energia e trabalho, acelerando-lhe a capacidade produtiva, povoando-a, expondo, sedutoramente, as riquezas incalculáveis de suas matas, de suas terras e de suas águas ao comércio e às indústrias mundiais.
O Governo Geral não procurava ajudar o desenvolvimento da Amazônia — sete vezes maior do que a França; ao contrário, impedia-o com o fechamento do Amazonas. O imigrante não vinha com o seu precioso contingente encaminhar a vida regional por uma rota segura de progresso. Apenas alguns índios fugitivos das incursões destruidoras da raça infeliz achegavam-se, timidamente, dos arredores da Capital, à margem do Rio Negro, empregando o tempo e o rotineiro labor nas aleatórias indústrias da pesca e da caça e no escasso cultivo de pequena área, onde a mandioca crescia com assombro e o milho dava quatro vezes por ano. O interior era ainda quase o deserto de 1750, entregue, em alguns pontos de clima mais benigno, às missões religiosas que se formavam para a colheita de almas ao aprisco do Senhor e não de energias inteligentes que viessem ao fomento das indústrias e do comércio, que se iniciavam.
No correr dos anos 1877-1879, quando o Ceará foi flagelado por horrorosa seca, o interior do Amazonas começou a povoar-se. Data daí a colonização, porque, no dizer de Pierre Denis, foi uma verdadeira colonização que se operou nas florestas amazônicas, remontando a esse tempo a intensificação da indústria extrativa da borracha.
Todo o imenso Vale do Amazonas encheu-se de cearenses tangidos da terra natal pelo fenômeno climatérico assolador, que secava os Rios, despovoava os lares, ermava (tornava ermo, deserto) os campos, transformava as campinas verdejantes em nuas e áridas estepes da morte.
A onda povoadora dirigiu-se, de preferência, para as Bacias do Juruá e Purus, Rios mais facilmente navegáveis, servidos por vapores, com um comércio que se anunciava promissor e a indústria da borracha em adiantada fase de organização. Levas numerosas de flagelados aportavam a Belém e Manaus, com o organismo combalido pela fome, e eram logo recrutadas pelo comércio e metidas no bojo dos gaiolas, para a longa e torturante jornada da qual muitos nunca mais voltavam a rever as serras natais, mortos nos barrancos, ao abandono da mais elementar assistência, pelas endemias reinantes e peculiares às regiões desertas e úmidas.
Os comerciantes largavam esses homens seminus e esqueléticos aqui e ali, à margem dos Rios navegáveis, com grande cópia de mantimentos, armas e munições, à mercê dos fados incertos, à fabricação da borracha já então ardentemente procurada pelas novas indústrias que surgiam na Europa. Foram assim se formando os seringais, se firmando a propriedade da terra, se arraigando no espírito daquela gente inculta a idéia da soberania do Brasil, incontestável e única sobre todas aquelas águas e todas opulentas florestas onde a hévea era uma mina inesgotável. E no seio da mata dominada apareceu, de improviso, um fator novo da vida econômica nacional, a figura original do seringueiro triunfante.
Em 1877, saíram do Ceará mais de 14.000 pessoas, rumo a Amazônia. No ano seguinte houve um verdadeiro êxodo; a corrente imigratória atingiu a enorme cifra de 54.000 indivíduos. E não mais parou a onda povoadora.
O Ceará despovoava-se em benefício da Amazônia. O Amazonas tornou-se o refúgio predileto do cearense acossado pela seca. Ainda em 1900 a vaga humana faminta, que abandonou os lares pátrios, registrou o número de 47.835 pessoas, das quais mais de dois terços seguiram o caminho do Norte, em demanda das paragens abençoadas onde a água do céu nunca falta e as fontes imensas, que formam as caudais fluviais, jamais secaram.
A Amazônia começou a viver na imaginação do cearense como as regiões lendárias das fabulosas minas de ouro viveram no espírito ardente dos paulistas das bandeiras penetradoras. O povoamento foi sempre crescente.
Bandos de assalto no seio da floresta virgem ocuparam todos os pontos, abriram caminhos, empreenderam, na medida da sua fraqueza, em frente de uma natureza cujo poder é desmesurado, a adaptação do solo à vida humana.
O que foi essa luta estupenda de adaptação ao meio hostil, que o cercava e o deprimia, ainda o cearense, raro, das primeiras levas pesquisadoras da riqueza vegetal, o conta comovido.
Assim, acossados da terra natal pela inclemência do Sol, penetraram ousadamente a mata opressora em cujo seio úmido a morte imperava.
E subiram os Rios amplos em cujas margens dominava o selvagem, que se precavia, se amoitava nas sebes e no cimo das árvores, de tocaia, à espreita do invasor para feri-lo mortalmente; e transpuseram os saltos perigosos das correntes encachoeiradas, realizando a audácia dos primeiros avanços através desses precipícios vertiginosos; iniciaram as entradas pelos igarapés torcicolantes (serpenteantes), mata adentro, buscando-lhes as nascentes no perlongamento dos meandros traiçoeiros, à cata da seringueira.
E, no verdor eterno da floresta virgem, disputando ao índio a terra e a água e ao clima inóspito a própria vida, escondiam a saudade torturante das campinas natais, afogavam a nostalgia intensa que os devastava, dos lares ermos da sua solicitude. Mas a terra desflorada pelo cearense heróico, que excedeu em pertinácia e arrojo ao bandeirante, a floresta que ele feria, abrindo caminho para a frente, lançando a semente da abundância ao redor das primeiras habitações, restituía, dadivosa, com prodigalidade infinita, aquelas rudes canseiras incessantes.
Vieram, nessas levas de desesperados, homens ousados e inteligentes na sua rudeza de sertanejos, que souberam reviver o período colonial da conquista dos sertões bravios. A margem dos Rios, que os gaiolas de quando em vez navegavam para deixar-lhes mercadorias de toda sorte pela borracha que recolhiam, levantaram suas toscas barracas de paxiúbas cobertas de caranaí, cujo tipo uniforme e rude ainda hoje se apresenta, trazendo ao espírito de Euclides da Cunha a impressão emocionante das habitações não menos rústicas dos gauleses de César.
Era a propriedade que se firmava... Assim, desesperadamente instalado na região hostil, onde a hevea de Aublet era floresta e constituía para eles, pela facilidade da exploração e abundancia da remuneração comercial, a única riqueza cobiçável, lançaram a Amazônia à civilização. E prosperaram os paroaras (nordestinos residentes na Amazônia).
O sucesso dos primeiros cearenses que se internaram e puderam regressar prósperos ou se firmaram na região como proprietários eventuais de latifúndios borracheiros, seduziu os demais filhos do nordeste.
Outros povoadores vieram do Piauí, do Maranhão, do Rio Grande do Norte, da Paraíba, de Alagoas, de Pernambuco, trabalhar a floresta amazonense, sem se aperceberem da conquista que faziam e da cobiça que despertavam. Mas, nas grandes investidas da civilização amazônica, o cearense foi sempre o elemento preponderante. O Acre é obra deles, como produto do seu arrojo e da sua tenacidade, o povoamento de todo o interior do Amazonas. Os brasileiros de outras paragens, que para ali foram, tornaram-se meros seguidores e obedientes dos costumes, das normas de viver e do método de trabalho introduzido pelo cearense das primeiras migrações. E, por muito tempo, o Ceará foi o fornecedor do braço e a inteligência a toda aquela região. Porque a Amazônia, especialmente o Acre, exercia uma influência dominadora, uma atração irresistível no espírito do cearense sertanejo. Raros os que por ali não passaram, não conheceram as agruras daquela existência acabrunhante, não penetraram, desvendando-os, os mistérios da floresta, a tortuosidade das estradas, o labirinto hidrográfico de águas barrentas. (COSTA)
Figura 03 - Vapor (Percy Lau)
E, apenas o Sol começava a causticar a terra cearense, enchiam-se as proas dos navios e milhares de indivíduos, abandonando o lar e abandonando a prole, buscavam o caminho da terra acreana, em busca da vida que a terra natal lhes negava impiedosamente.
  
Efeito exclusivo de uma necessidade indeclinável da vida tornada impossível na terra natal; sem o método das colonizações oficiais, sem o amparo assegurador da permanência no solo pela propriedade da terra e pela presença da família; sem a assistência tutelar dos poderes públicos, garantindo-lhe a saúde, defendendo-lhe o organismo pelo saneamento da região; estimulado unicamente pelas notícias romanescas dos bem-sucedidos e pelas aperturas da existência no Nordeste; protegido exclusivamente pelo comércio, no interesse de lucros imediatos, o povoamento do solo acreano, até bem pouco tempo, caracterizou-se pelo seu aspecto de nomadismo.
O homem, assim lançado à terra, não se lhe adaptava, não a cultivava, nela não se firmava, principalmente porque lhe faltava a segurança da propriedade estabelecida em leis garantidoras e porque, em geral, não se acercava da família. Faltando-lhe esses liames, permanecia na região o tempo necessário à volta das chuvas na terra natal, para onde regressava às primeiras notícias do bom tempo cearense.
Daí o aspecto desolador de transitoriedade que ficou na habitação acreana — pelos seringais adentro, choças improvisadas para uma existência efêmera com a floresta brutal em redor, impedindo a dilatação do horizonte visual, enquanto a terra ferocíssima ficava improdutiva e o organismo do seringueiro se debilitava no ambiente úmido da mata, ferido pelo impaludismo e lentamente envenenado pelas conservas que, importadas copiosamente, lhe serviam de alimento diário. Milhares ficaram sepultados nos barrancos, abatidos pela obra de seleção que a natureza, inclemente e sábia, realizava. Milhares triunfaram, regressando aos lares nativos, com o mealheiro repleto, pequenas fortunas que muitos loucamente dissipavam em orgias fantásticas e jogatinas desenfreadas, em Manaus e Belém, volvendo em dois ou três dias de gozo atordoante à pobreza primitiva.
Milhares, porém, se fixaram na região a que, pouco a pouco, se tinham afeiçoado, tornando-se donos de seringais vastos, tão grandes que nem eles mesmos lhes conheciam os limites, conquistados palmo a palmo ao índio e ao impaludismo, e cuja posse o rifle, em última análise, assegurava, marcando-a indelével com o sangue do competidor, por uma bala traiçoeira ou por uma agressão peito a peito. É essa em toda parte a história do povoamento das regiões ricas e desertas. Sempre foi assim.
Entre o Nordeste e o Acre estabeleceu-se uma forte corrente de interesses econômicos e sociais. O Juruá, o Purus eram os caminhos principais desses vultosos interesses. Ao começo das chuvas na região acreana, determinando a suspensão da indústria extrativa, os gaiolas recambiavam ao Nordeste os seringueiros de saldo, para depois trazê-los, recrutados pelos proprietários à faina dos seringais.
Porque, emparedado nas necessidades de sua indústria e nas contingências esmagadoras do próprio meio, o proprietário, o patrão, vivia sempre na mais penosa apertura da escassez do trabalhador, situação que ainda perdura, desamparado que se acha das mais elementares medidas de proteção oficial, que normalizem o regime do trabalho, garantam a produção, suavizem e mesmo legalizem as relações comerciais, vinculem definitivamente o homem à terra, extingam a rotina enervante aprendida do índio na extração do látex precioso, na fabricação de borracha, no transporte e colocação do produto.
Todos os anos, pois, repetia-se a mesma cena apresentando os mesmos vincos profundos e negros da desorganização econômica, como um estigma da indústria acreana. Os proprietários iam ou mandavam emissários aos Estados do Nordeste, ao recrutamento de trabalhadores, que lhes chegavam caríssimos, muitos doentes, aos seringais, onerados por uma dívida que logo os escravizava.
Dessa precária situação do trabalhador à cadeia que o prendia ao Seringal — a dívida contraída desde a saída da terra natal até a iniciação na labuta das estradas. Quebrar os laços que o atavam à floresta, pelo pagamento da dívida, e, não raro, pela fuga, era o ideal único do seringueiro.
Por seu turno, o patrão sofria a mesma pressão esmagadora. Prendia-o o débito extraordinário, de cifra colossal, contraído, às vezes, à sua revelia, nas praças aviadoras de Manaus e Belém. E, ao fim de cada safra, era para o aviador, que chegava com seus navios abarrotados e as suas contas extorsivas, a produção integral dos seringais, sem o desvio de um só quilo, porque a vesga justiça daquelas duas Comarcas era sempre dura e inflexível nos seus arrestos asseguradores do direito do mais forte...
Material e moralmente, a situação do proprietário não era melhor que a do seringueiro. Patrão e freguês eram irresistivelmente arrastados no mesmo círculo vicioso. Ambos eram vítimas das mesmas torturas morais, sob o arrocho da dívida.
À celebração do Tratado de Petrópolis, a situação, quanto às condições do povoamento, já se havia modificado sensivelmente e a região acreana contava muitas dezenas de milhares de habitantes.
O nomadismo ainda se caracterizava, mas infelizmente, incorporada a região ao patrimônio nacional e submetido o território à jurisdição direta da União, por nada menos de quatro delegados do Presidente da República, até bem pouco tempo, os poderes federais não cuidaram dos meios ao seu alcance, de fixar ao solo essa população e de trazer ao seu convívio milhares de silvícolas, que sempre viveram sem a mais rudimentar assistência oficial, apesar do aparatoso aparelho que, certa vez, o devaneio dissipador de um Ministro organizou e que ficou célebre pela proteção escandalosa que seus funcionários dispensavam às... caboclas de Manaus...
A fixação ao solo tem-se feito à revelia oficial e por efeito da crise comercial da borracha. Desde que o trabalho do seringueiro começou a não encontrar compensação convidativa, nos seringais iniciou-se a cultura da terra, que se cobre aqui e ali, pouco a pouco, de abundantes cereais e verdejantes pastagens. A população vai-se tornando sedentária. Os seringais já não importam gêneros agrícolas, porque os estão produzindo para o próprio consumo. Nos arredores dos núcleos de população mais numerosa estendem-se exuberantemente, até morros acima, os arrozais, desenvolvem-se os canaviais, frutificam, aos dois anos, os cafeeiros. Formam-se fazendas pastoris. Os povoados são verdadeiros pomares. A terra é boa e fértil e a gente trabalhadora. Um pouco de boa vontade oficial, e o Acre seria celeiro inesgotável.
A Bolívia não ignorava a verdadeira situação do território, por isso mesmo o cobiçava. Desconhecia-o, porém, o Governo brasileiro. Desconhecia-o, confessadamente, do ponto de vista de suas condições materiais e sociais, ainda em 1904! Do conhecimento boliviano das riquezas e possibilidades surpreendentes da região acreana, o interesse em incorporá-la ao seu patrimônio.
Em 1899 produzia o território do Acre mais de 60% da borracha amazonense, ou mais de 12.000 toneladas, trabalho exaustivo dos brasileiros que por lá viviam, milhares deles definitivamente localizados em vastas propriedades demarcadas e legalizadas pelo Estado do Amazonas. Ainda não fora recenseada essa população. Não se sabia quantos eram os habitantes do território sobre o qual a Bolívia, com absoluta indiferença do nosso Governo, ia estender a sua soberania. Mas não é difícil calcular o número aproximado dessa população.
Para produzir 12.000 toneladas de borracha são precisos nada menos de 40.000 homens, fazendo cada um, por safra, uma média de 300 quilos. Não pensava nisso o Itamarati — que fossem precisos 40.000 brasileiros para produzir nas florestas acreanas 12.000.000 de quilos de borracha. Nos seringais não viviam somente extratores de goma elástica; havia indivíduos que se empregavam em misteres diferentes — nos labores agrícolas que aqui e ali se iniciavam; no pastoreamento dos rebanhos que já se iam formando; nos trabalhos da pesca e da caça; nos serviços domésticos; nos múltiplos encargos comerciais; na gerência dos latifúndios e sua fiscalização etc., podendo ser avaliada essa população em 6.000 pessoas. Havia ainda a população dos povoados que começavam a sua fase de organização; havia a população feminina e a população infantil. Seriam, aproximadamente, 70.000 pessoas, na quase totalidade brasileiras, que viviam na região.
O Governo Federal, portanto, não devia abandonar tão consideráveis interesses, do ponto de vista econômico, para entregá-los, passivamente, sem discuti-los, sem examinar a situação de fato que se criara, à Bolívia, e do ponto de vista social, para que ela viesse, abruptamente, impor a sua soberania a esses 70.000 brasileiros, para colher o fruto de um trabalho que não semeara. (COSTA)
Fontes:

BRANCO, José Moreira Brandão Castello. Peruanos na Região Acreana – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Volume 244, 1959.
COSTA, Craveiro. A Conquista Ocidental do Deserto Ocidental – Brasil – São Paulo – Companhia Editora Nacional, 1940.
CUNHA, Euclides. Um Paraíso Perdido Senado Federal, Conselho Editorial, 2000.
LIMA, José Francisco de Araújo Obra. Amazônia - a terra e o homem (1937) – Brasil – São Paulo – Companhia Editora Nacional, 1937.
SOBRINHO, Dr. José Moreira Brandão Castello Branco. O Juruá Federal – Brasil – Brasília – Senado Federal, 2005.
THEOPHILO, Rodolpho. Libertação do Ceará – Brasil – Ceará – Fundação Waldemar Alcântara, 2001.

domingo, 7 de outubro de 2012

Tratados de Limites


São conhecidas as aspirações da nossa estimável irmã da América do Norte, a respeito da borracha; é notório seu apreço pelo torrão maravilhoso possuído pelo Brasil nas margens amazônicas; são bem conhecidas as transações ultimamente efetuadas no estrangeiro a respeito de grandes trechos daqueles vastos e ferocíssimos territórios; e, mais cedo ou mais tarde, dentro de pouco tempo, talvez fiquemos privados daquelas zonas, as vejamos em mão estrangeiras.
(Ruy Barbosa)

- Arbitragem Cristã

Naqueles tempos nada se tinha por acabado e perfeito se a religião não o consagrava; e como, além disso, a idéia de que todos os reinos da terra eram sujeitos ao Papa, que tinha sobre eles direito de soberania, os reis e conquistadores procuravam sempre assegurar nas concessões a proteção da Santa Sé à legitimidade dos seus descobrimentos e domínios. (João Francisco Lisboa)

As arbitragens sobre as terras internacionais eram, na época, decididas pelos príncipes do Vaticano. Esta tradição remonta a 1092 quando o Papa Urbano II concedeu a Ilha da Córsega ao Bispo de Pisa. A Espanha fora beneficiada, por Sisto IV, com a posse das Ilhas Canárias e Portugal, por sua vez, teve asseguradas suas posses as terras conquistadas aos “infiéis” conforme bula assinada por Eugênio IV. Nicolau V reconheceu como portuguesas todas as conquistas na África e ilhas vizinhas e, depois dele, Calisto III, em 1456, proclama que só Portugal tinha o direito de descobrir o “Caminho das Índias”.

- Mundus Novus e a Bula “Inter Coetera”

Os reis católicos da Espanha, Fernando e Isabel, aproveitam a descoberta da América, por Colombo, e que o trono da Santa Sé era ocupado por um Pontífice espanhol, Alexandre VI, para pleitear o reconhecimento de sua soberania sobre as terras recém-descobertas. O Papa espanhol expediu imediatamente uma bula doando à Espanha, em caráter perpétuo, o Novo Mundo, com o compromisso dos reis de Castela de propagarem a Fé Católica nas novas plagas.

A controvertida bula “Inter Coetera”, de 4 de maio de 1493, definia uma linha imaginária que passava a cem léguas a oeste das Ilhas dos Açores e Cabo Verde com origem no pólo Ártico e término no Pólo Antártico. As terras ao Ocidente desta Linha pertenceriam à Espanha. O rei D. João II, de Portugal, não concorda com a decisão e, sem conseguir demover Alexandre VI de sua decisão, prepara uma frota de guerra com o propósito de assegurar os direitos lusitanos sobre as regiões descobertas por Colombo no Ocidente que, de acordo com a bula promulgada por Calisto III, em 1456, e o Tratado de Alcaçovas, de 1481, pertenciam à coroa portuguesa. A beligerância teve seu fim com a assinatura do Tratado de Tordesilhas, a 7 de junho de 1494, deslocando a linha para 370 léguas a partir da Ilha de Cabo Verde. Portugal assegurava, com isso, a posse de grande parte do Brasil além de desfrutar das vantagens do “Caminho da Índias”.

O Tratado de Tordesilhas nasceu caduco. Não havia, naquela época, como demarcar com exatidão essa linha, pois o processo de cálculo que permitiria sua definição só viria a ser dominado no final do século XVII.

(...) não concordando os Históricos, faltos de fundamentos, nem acertando os Geógrafos as suas medidas, não é possível assentar ponto fixo para esta demarcação, porque de premissas ou prováveis e duvidosas, não se pode deduzir ilação infalível.
(Engenheiro Militar e Cartógrafo genovês Francesco Tosi Colombina)

O Tratado de Tordesilhas foi o embrião da questão Acreana. A disputa pelas nações ibéricas do continente americano manteve-se acesa em cada país Sul-americano que herdou daquelas importantes civilizações europeias não só sua cultura, tradições e costumes, mas também suas mal resolvidas questões de fronteira.

- Coroa Ibérica

D. Sebastião, o desejado, rei de Portugal e o último da dinastia dos Avis, cresceu com a plena convicção de que era um predestinado. Ao enfrentar os mouros, em número significativamente superior, na batalha de Alcácer Quibir, evidenciou nas suas ações achar que o “Milagre de Ourique” repetir-se-ia, afinal a Batalha de Ourique foi um episódio simbólico para a monarquia portuguesa, graças a ela D. Afonso Henriques foi aclamado rei de Portugal, em 25 de julho de 1139.

Para desespero de D. Sebastião e de seus combatentes, o milagre não se repetiu e a sua morte precipitou uma série de acontecimentos que culminaram com a unificação das coroas de Espanha e Portugal sob a autoridade da Espanha ficando, o período, conhecido como União Ibérica. O período, que durou 60 anos (1580-1640), permitiu que os espanhóis estendessem seus domínios no Pacífico em regiões reconhecidamente portuguesas e nas regiões platinas da América. O desinteresse pelas possessões amazônicas era embasado, seguramente, em dois fatores fundamentais: o econômico e o fisiográfico. O primeiro em virtude da desilusão da missão de Gonzalo Pizarro na busca do País da Canela e do El Dorado que redundara em um retumbante fracasso. O segundo, talvez a “vera causa”, a Cordilheira dos Andes que impedia ou pelo menos dificultava a colonização espanhola da terra das Amazonas. A Cordilheira, segundo Euclides da Cunha foi “um cordão sanitário ou ao menos um desmedido aparelho seletivo”.

Os portugueses, por sua vez, ampliaram sua área de influência na América e a Amazônia foi sendo conquistada pelos lusos nos seus mais longínquos rincões, graças à instalação de fortificações e criação de pequenos povoados. O rei D. João V, com o ouro da “terra brasilis”, pagou cientistas que elaboraram os fundamentos cartográficos do Tratado de Madri, construiu fortes diminuindo a vulnerabilidade da colônia brasileira e negociou com o Papa Benedito XIV a bula “Candor Lucis” em 1745 que estabelecia as prelazias de Goiás e Cuiabá. O Vaticano, através da “Candor Lucis”, reconhecia publicamente o avanço português sobre a linha de Tordesilhas antes mesmo do Tratado de Madri.

Quando da assinatura do Tratado de Madri, em 1750, os espanhóis, acatando os argumentos de Alexandre de Gusmão, que defendia o princípio do “Uti Possidetis”, reconheceram a soberania portuguesa sobre a região.

- A Histórica Má-fé Boliviana

A partir de 1833, as discordâncias entre o Império do Brasil e a Bolívia, no que se refere ao estabelecimento dos limites se tornam cada vez mais patentes. Uma série de crises se sucedeu sem que se chegasse a um acordo. O Governo de La Paz havia concedido sesmarias, a cidadãos bolivianos, em território brasileiro; pretendia exercer domínio total sobre o Rio Madeira e ainda tinha a intenção de permitir aos Estados Unidos da América a livre navegação nos Rios da Bacia Amazônica, que entendiam serem caminhos livres, “abertos pela natureza ao comércio de todas as nações”.

Em 1834, procurando equacionar as contestadas questões de fronteira com o Brasil, a Bolívia encarrega da missão o General Mariano Armaza. O General apresentou uma proposta amparada no Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, entre Espanha e Portugal que tinha como premissa: “que a linha divisória começasse aos 22°, na margem direita do Paraguai, até a embocadura do Jauru, daí seguisse pelas águas desse Rio e pelas do Aguapeí até encontrar na serra do mesmo nome as cabeceiras do Rio Alegre e daí baixasse até o Guaporé”. A sugestão foi rechaçada pelo Governo brasileiro.

Diversas tentativas se sucederam, mas nenhuma chegou a bom termo. Antônio Pereira Pinto afirma nos seus “Estudos sobre algumas questões internacionais” que os estadistas de La Paz não eram capazes de negociar de boa fé já que “as tradições adversas ao Brasil passavam em seu Governo de geração em geração”.

Os bolivianos teimavam em evocar, equivocada e tendenciosamente, os Tratados de Madrid, (1750), e o de Santo Ildefonso, (1777), sem considerar que os mesmos haviam sido anulados e tornados sem efeito. O de Madrid pelo tratado de El Pardo, de 12 de fevereiro de 1761 e que culminou com a assinatura do Tratado de Paris, 10 de fevereiro de 1763; o de Santo Idelfonso quando pactuado, em Badajoz, o tratado de 6 de junho de 1801. Os bolivianos não queriam considerar como único princípio correto, que deveria ser seguido nas relações de domínio territorial no Continente, o do “Uti-possidetis”: “Ita-possideatis”, do Direito Romano incorporado ao Direito Internacional.

- Tratado de Ayacucho

Em 1867, em plena campanha contra Solano Lopez, a Bolívia insiste na definição da questão e nomeia, como seu representante, o Chanceler Dr. Mariano Donato Muñoz e o Brasil o Dr. Felipe Lopes Neto, com a finalidade de elaborar uma proposta que resolva definitivamente a questão.

As negociações são concluídas com a assinatura, na cidade de La Paz de Ayacucho, do Tratado de Ayacucho, em 27 de março de 1867. A reconhecida habilidade de Lopes Neto se torna patente ao fazer com que os estadistas bolivianos aceitem o princípio do Uti-possidetis, até então recusado peremptoriamente. O diplomata brasileiro, infelizmente, não conseguiu que o artigo 2° do Tratado, no parágrafo que se refere à linha divisória no território cortado pelo Rio Aquiri ou Acre, mantivesse a formatação original dos artigos respectivos dos Tratados de 1750 e de 1777.

—    O artigo VIII do “Tratado de Madrid”, de 1750, estipulava que:

Baixará pelo álveo destes dois Rios, já unidos, até a paragem situada em igual distância do dito Rio das Amazonas, ou Marañon, e da Boca do dito Mamoré; e desde aquela paragem continuará por uma linha Leste-Oeste até encontrar com a margem Oriental do Javari que entra no Rio das Amazonas pela sua Margem Austral; e baixando pelo álveo do Javari até onde desemboca no Rio das Amazonas ou Marañon, prosseguirá por este Rio abaixo até boco mais ocidental do Japurá, que deságua nele pela margem setentrional.

—    O artigo XI do “Tratado de Santo Ildefonso”, de 1777, em consonância com a letra do Tratado de 1750, por sua vez:

Baixará a Linha pelas águas destes dois Rios Guaporé, e Mamoré, já unidos com o nome da Madeira, até á paragem situada em igual distância do Rio Maranhão, ou Amazonas, e da Boca do dito Mamoré, e desde aquela paragem continuará por uma Linha Leste-Oeste até encontrar com a Margem Oriental do Rio Javari, que entra no Maranhão (Amazonas) pela sua margem Austral; e baixando pelo álveo do mesmo Javari até onde desemboca no Maranhão, ou Amazonas, prosseguirá águas abaixo deste Rio, a que os espanhóis costumam chamar Orellana, e os Índios Guiena, até a Boca mais Ocidental do Japurá, que deságua nele pela margem Setentrional.

—    O artigo II do “Tratado de Ayacucho”, a fronteira é especificada com maior detalhamento, em virtude do conhecimento, que se tinha, do Madeira para o Sul:

Sua Majestade o Imperador do Brasil e a Republica de Bolívia concordam em reconhecer, como base para a determinação da fronteira entre os seus respectivos territórios, o “Uti Possidetis”, e, de conformidade com este princípio, declaram e definem a mesma fronteira do modo seguinte:

(...) baixará por este Rio até a sua confluência com o Guaporé e pelo meio deste e do Mamoré até ao Beni, onde principia o Rio Madeira. Deste Rio para o Oeste, seguirá a fronteira por uma paralela, tirada da sua margem esquerda na Latitude Sul de 10°20’, até encontrar o Rio Javari. Se o Javari tiver as suas nascentes ao Norte daquela linha Leste-Oeste, seguirá a fronteira, desde a mesma Latitude (10°20’), por uma reta, a buscar a origem principal do dito Javari.

Na época, se ignorava o traçado e as nascentes do Rio Javari. No Brasil, supunha-se que o Rio tivesse suas nascentes paralelas ao Madeira, provavelmente, a 10°20’ de Latitude Sul. A condicionante colocada no Tratado foi um artifício sutil empregado por Mariano Muñoz com o qual concordou Lopes Neto. Naquela época, os bolivianos já suspeitavam que o Javari não nascia na altura do Paralelo 10°20’, mas mais ao Norte.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A Cartografia e os Rios Jaquirana e Javari

 A cartografia é o conjunto de estudos e operações lógico-matemáticas, técnicas e artísticas que, a partir de observações diretas e da investigação de documentos e dados, intervém na construção de mapas, cartas, plantas e outras formas de representação, bem como no seu emprego pelo homem. Assim a cartografia é uma ciência, uma arte e uma técnica. (Antonio Carlos Castrogiovanni)

Nas minhas intermináveis descidas pelos imensos caudais amazônicos tenho a oportunidade de confrontar cartas, mapas institucionais ou não com o terreno, e tenho verificado uma enorme discrepância entre aquilo que é observado no terreno e o que é retratado em documentos “oficiais”. São inúmeros erros em relação à nomenclatura de acidentes naturais ou de comunidades ribeirinhas ou ainda de sua localização real.


Vou tratar hoje especificamente à denominação do Rio Javari e seu formador o Jaquirana que durante tanto tempo foi objeto de estudo e discussão pelas Comissões de Limites, desde o século XVIII, e que os Mapas do IBGE, mostrando uma flagrante alienação histórica, trocam nos seus mapas do Estado do Amazonas e da Amazônia Legal o nome de parte do Rio Jaquirana a montante da foz do dito Galvez por Rio Javari.  Os Mapas Multimodais do DNIT, por sua vez, simplesmente omitem o nome do Rio Javari, talvez para não incorrer no mesmo erro, mas trocam o nome do Rio Batã (ou Bathan), afluente da margem direita do Jaquirana, para Basã.


Façamos uma pequena digressão histórica para entendermos esta questão que se origina na Foz do Galvez, coordenadas – 5°10’34,37”S/ 72°53’1,74”O, uma pequena diferença do levantamento realizado por Cunha Gomes que considerou  a confluência do Galvez com o Javari:

—     Latitude: 5°10’17,5” Sul.
—     Longitude: 72°52’29” Oeste Gw.
—     Altitude: 101,6 metros.

-  Comissão Mista Luso-espanhola de 1781

Já em 1781 e 1782 a Comissão Luso-espanhola demarcadora de limites, em virtude do Tratado Preliminar de 1777, tinha dúvidas, e não pode resolver qual dos dois braços era o tronco principal do Javari.

-  Comissão Mista Brasileiro-Peruana de 1866

O Comissário brasileiro Capitão-Tenente José da Costa Azevedo e o Comissário peruano Capitão-de-Mar-e-Guerra Dom Francisco Carrasco subiram o Javari e chegaram em 8 de setembro de 1866 a mais uma confluência, optando, novamente, pela da direita, mais volumosa. A menor foi denominada pelo Comissário peruano de Rio Galvez.

-  Comissão Mista Brasileiro-Peruana de 1874

Deprimido, em estado de estafa, seriamente doente, Tefé caiu de cama. Assim desceu o Rio Galvez até Tabatinga, no Rio Solimões. (TEFFÉ)

A Comissão chefiada pelo Barão de Tefé e Guillermo Blake entrou na Foz do Javari, no dia 17 de janeiro de 1874, com um efetivo de 82 membros, atingindo as proximidades das nascentes do Javari, no Jaquirana, no dia 14 de março de 1874. A Expedição retornou ao Solimões com 55 sobreviventes, 27 haviam sucumbido à febre, à fome, ou às flechas dos Mayorunas.

-  Comissão de 1898

A 377 milhas da Foz do Javari finda a navegação a vapor e entra-se na zona de difícil trânsito. É na confluência do Rio Galvez com o Javari. Este segue então com o nome de Jaquirana até as suas nascentes. (GOMES)

O Ministro das Relações Exteriores, General Dyonizio Evangelista de Castro Cerqueira nomeia o Capitão-Tenente Augusto da Cunha Gomes Chefe da Comissão de Limites determinando-lhe que determine a nascente do Rio Javari.

Cunha Gomes afirma ter corrigido as coordenadas do Barão de Tefé verificando uma diferença de quase quatro segundos. Determinou que o Rio Javari era um prolongamento do Jaquirana e não do Galvez, como suspeitava Thaumaturgo.

Fonte:

CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos. Ensino de geografia: Práticas e textualizações no cotidiano – Brasil – Porto Alegre, RS – Mediação, 2000.

GOMES, Augusto da Cunha. Comissão de Limites Entre o Brazil e a Bolivia – Re–Exploração do Rio Javari – Brasil – Rio de Janeiro – Typographia Leuzinger, 1899.

TEFFÉ, Tetrá de. Barão de Tefé, Militar e Cientista, Biografia do Almirante Antônio Luís von Hoonholtz – Brasil – Rio de Janeiro – Centro de Documentação da Marinha, 1977.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Seringueiros Brasileiros



O PRANTO DO SERINGUEIRO
(Mário Maia)


Não me derrube, seu moço, a seringueira...
O seu leite me serve de sustento.
Já estou velho; mas desde o nascimento
Que esta árvore é minha companheira...
Olhe, é irmã daquela castanheira
Cuja copa procura o firmamento...
Ela também me dá alimento
Que mata a fome da família inteira...

Diferente da exploração do caucho, a “hevea brasilienses” permitiu que o seringueiro se fixasse, pouco a pouco, à floresta. O nordestino “acreanizado” deu início à cultura agrícola. Nos roçados brotava o feijão, o milho e a mandioca enquanto nas várzeas e na terra firme era incrementada a plantação do capim “colônia”, do “gordura”, do “jaraguá” e da “canarana”. O gado boliviano migrou para as novas e atraentes pastagens.

O seringueiro depois de fixar-se à terra deu origem à uma nova raça, a civilização acreana, que perambulava da floresta dadivosa, aos campos e roçados promissores. O acreano não usava as estradas para circular, mas os cursos d’águas. Os mais jovens, desde cedo, navegam pelos Igarapés, Furos e Lagos e aprendem, com os nativos, as ardilosas técnicas da caça e pesca. A acreana, de então, herdeira da rendeira nordestina aprendeu a trançar habilmente os seus bilros da fibra do tucumã. A psique nordestina foi paulatinamente impregnada pelas características psicológicas do caboclo, e, a seleção natural, progressivamente alterou-lhe o DNA proporcionando-lhe uma maior resistência às adversidades do meio hostil. O filho do Sertão estéril e do sol inclemente irmanou-se à terra das águas e da floresta.

-        Abertura das “Estradas”

Em outubro de 1905, embarcam no vapor “Rio Branco”, que estava ancorado na “Boca do Acre”, confluência do Rio Acre com o Purus, dois ícones da nacionalidade brasileira, Plácido de Castro e Euclides da Cunha. Plácido de Castro tinha comandado o vitorioso Movimento Revolucionário Acreano, que resultou na incorporação das terras bolivianas ao Brasil. Euclides chefiara a “Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus”, cuja missão era mapear o Rio Purus, desde a foz, no Solimões, até suas cabeceiras, definindo as fronteiras do país com a Bolívia e o Peru.


A viagem da Boca do Acre a Manaus durou uma semana e, neste período, aconteceu o encontro histórico. Euclides da Cunha solicitou a Plácido de Castro que redigisse um histórico da campanha, desde 1902 que culminou com a conquista do Acre. Plácido escreveu os apontamentos a lápis, e manteve longas conversas com o escritor, inclusive sobre a dinâmica da extração da borracha, seu ciclo produtivo e a vida nos seringais. (CASTRO, 2003)

Ao chegar ao Rio de Janeiro, Euclides da Cunha publicou na revista Kosmos (em janeiro de 1906), o artigo “Entre os Seringais” sem, contudo, referir-se à conversa que mantivera com Plácido de Castro. Em 27 de março de 1907, Plácido de Castro, prefeito de Rio Branco, se queixou, indignado, ao Ministro da Justiça, do artigo de Euclides da Cunha. Somente em 1930, os “apontamentos” do herói do Acre foram publicados, na íntegra, como parte do livro “O Estado Independente do Acre”, de autoria de Genesco de Castro, irmão de Plácido. O livro enfrentou dificuldades na sua distribuição, tendo em vista que os assassinos de Plácido permaneciam no poder.

(...) o mateiro lança-se sem bússola no dédalo (Labirinto) das galhadas, com a segurança de um instinto topográfico surpreendente e raro. Percorre em todos os sentidos o trecho de selva a explorar; nota-lhe os acidentes; apreende-lhe a fisiografia complexa, que vai dos igapós alagados aos firmes sobranceiros às enchentes; traça-lhe os varadores futuros; avalia-lhe, rigorosamente, as “estradas”; e vai no mesmo lance, sem que lhe seja mister traduzir complicadas cadernetas, escolhendo à beira dos Igarapés todos os pontos em que deverão erigir-se as pequenas barracas dos trabalhadores.

Feito este exame geral, apela para dois auxiliares indispensáveis – o toqueiro e o piqueiro (trabalhador que auxilia na abertura de estradas abrindo a picada); e erguendo num daqueles pontos predeterminados, com as longas palmas da jarina, um papiri (tapiri), onde se abriguem transitoriamente, metem mãos à empreitada. O processo é invariável. Segue o mateiro e assinala o primeiro pé de seringa, que se lhe antolha ao sair do papiri. É a boca da estrada. Aí se lhe reúnem o toqueiro e o piqueiro – prosseguindo depois, isolado, o mateiro, até encontrar a segunda árvore, de ordinário pouco distante, a uns cinquenta metros. Avisa então com um grito particular, ao toqueiro, que parte a alcançá-lo junto da nova madeira, enquanto o piqueiro, acompanhando-o mais de passo, vai tirando a facão a picada, que prefigura a “estrada”. O toqueiro auxilia-o por algum tempo, abrindo por sua vez um pique para o seu lado, enquanto um outro grito do mateiro não o chame a reconhecer a terceira árvore; e assim em seguida até ao ponto mais distante, a volta da estrada. Daí, agindo do mesmo modo, retrogradando por outros desvios, vão de seringueira em seringueira, fechando a curva irregularíssima que termina no ponto de partida. Ultima-se o serviço que dura ordinariamente três dias, ficando a “estrada” em pique. (CUNHA, 1906)

-        Extração da Borracha

Antigamente, para colher a goma, cingia-se a árvore com um cipó que envolvia o tronco obliquamente a um metro e setenta do solo até o chão onde era colocado um pote de argila. Eram, então, feitos diversos cortes na casca acima do cipó que aparava a seiva e a conduzia até o pote. Este processo de sangria exagerada, conhecida como “arrocho”, acabava por matar a árvore e foi abandonado há muito tempo. Com o passar dos anos, o método tornou-se mais racional visando preservar a integridade da “árvore da vida”. João Barbosa Rodrigues fez o seguinte relato na sua obra “As Heveas ou Seringueiras” editada em 1900:

Arrocho

Consiste o processo do arrocho em circular o tronco da seringueira, a um metro do solo, com um grosso cipó, dispondo-o em sentido oblíquo a unir as extremidades em ângulos a formar goteira. Feito este arrocho, golpeavam a casca da arvore, em toda sua circunferência, em diversas alturas. Assim corria abundantemente o leite que, reunido sobre o cipó, escorria pela goteira indo cair diretamente no vaso que o recolhia. Desta forma a árvore dentro em pouco tempo, morria, faltando-lhe a livre circulação da seiva, pelos golpes que separavam os tecidos e esgotavam-na inteiramente.

Quando eram simples golpes e não havia casca tirada, de um para outro ano, cicatrizavam e estabelecia-se a circulação; mas, ainda assim, pelas sangrias que anualmente faziam, dentro de pouco tempo morria. Foi assim que se acabaram os grandes seringais das margens do Amazonas, do Tocantins, do Jari e das ilhas, assim como os do Baixo-Madeira e Solimões.

Incisões

Posteriormente, foi adotado o golpe do machadinho e proibido, expressamente, o sistema de arrocho que, em muitos seringais, alguns empregam, porque até a eles não chega a ação da justiça. O sistema de incisões também é prejudicial quando dele se abusa, obrigando a árvore a dar mais do que possui, fazendo-se numerosas incisões sem dar descanso e tempo para a completa cicatrização. Alguns, sem necessidade, dão dois e mais golpes para uma tigelinha, o que é prejudicial à vida do vegetal. (RODRIGUES)

Hoje, o seringueiro parte, de seu tapiri, a cada dois ou três dias, de madrugada, carregando todos os seus apetrechos pela “estrada”. Este intervalo, antigamente desrespeitado, permite à árvore se recuperar da última sangria. Ele para, em cada uma das seringueiras, e parte para a extração da seringa que é feita através de pequenas incisões de 25 a 30 centímetros descendentes e paralelas na casca da planta, que começam a uma altura de aproximadamente dois metros acima do solo. Une depois, cada uma das extremidades inferiores dos cortes através de um talho vertical de maneira que o leite escorra dentro do traço para o fundo da cuia. A cuia é embutida na casca cortada para este fim e, eventualmente, pode ser usada uma argila para fixá-la no tronco.

Os cortes são feitos, normalmente, até as onze horas, em todas as árvores da “estrada”, exceto nos meses de agosto e setembro, época da floração. Pelo meio-dia, ele começa a recolher as cumbucas, despejando o látex coagulado nas cuias em um balde, ou então em um saco encauchado (impermeabilizado com látex). À tarde, por volta das catorze horas, volta para o rancho, almoça e inicia a defumação do material recolhido que leva umas duas horas para ficar pronto.

O fogo é feito debaixo da terra para que a fumaça saia por um furo ao nível do chão. A melhor fumaça é a de coco de babaçu mas, no Rio Purus, usava-se para esta operação os frutos da palmeira urucuri; no Rio Autaz, os da palmeira iuauaçu e no Rio Jaú e onde estas palmeiras são mais raras, utilizavam-se madeiras como a carapanaúba e a paracuúba. A bola de borracha (pela) é rodada em volta de uma vara de aproximadamente um metro e meio de comprimento, chamada “cavador”. Para iniciar a bola, enrola-se na vara um “tarugo” de goma coagulada no qual o leite gruda facilmente. O homem vai despejando o leite com uma cuia ou uma grande colher de pau, ao mesmo tempo em que gira o “cavador”, a parte líquida se evapora imediatamente, e forma-se uma fina camada de goma elástica, e a bola vai engrossando, cada dia um pouco mais. Uma “pela” pronta, depois de vários dias, pesa em média 50 quilos, é, então, exposta ao sol, quando toma a coloração escura e assim permanece até ser comercializada.

Fontes:

CUNHA, Euclides da. Entre os SeringaisBrasil – São Paulo – Revista Kosmos, 03.01.1906.

RODRIGUES, João Barbosa. As Heveas ou Seringueiras – Brasil – Rio de Janeiro –Imprensa Nacional, 1900.