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domingo, 8 de janeiro de 2012

Ferrovia do Diabo (Capítulo II)

Madeira-Mamoré
Ferrovia do Diabo (Capítulo II)

Se a navegação através do Madeira e do Amazonas parecia ser de necessidade vital para o desenvolvimento da Bolívia, com a Guerra do Paraguai surgia também para o Brasil, como de importância política e estratégica capital. (Manoel Rodrigues Ferreira)

Há mais de cento e sessenta anos a questão da navegação do Madeira-Mamoré mobiliza estadistas e desafia a argúcia de engenheiros. Com a construção das Hidrelétricas do Rio Madeira diversas cachoeiras, corredeiras e mesmo saltos ficarão submersos bastando se levar avante a construção das eclusas, já planejadas, para que este sonho, acalentado há décadas, seja alcançado da maneira mais inteligente. Não se pode construir Hidrelétricas, na Amazônia, sem se procurar viabilizar o transporte fluvial, através da construção de eclusas, fundamental nesta terra das águas.

-  Guerra do Paraguai

A Guerra do Paraguai tornou evidente a necessidade de se viabilizar a navegação do Rio Madeira ligando o Mato Grosso ao litoral. Tavares Bastos, em 1866, comenta:

A importação e a exportação da Bolívia fazem-se atualmente pelos Portos do Pacífico, e principalmente pelo de Arica, na República do Peru. (...) A despeito das cachoeiras do Madeira, o comércio da Bolívia pelo Amazonas, que há quatro anos antes não existia ou era representado por um algarismo quase nulo, sobe constantemente.

Em relação aos Portos do Pacífico e a saída pelo Rio Paraguai afirma:

Os bolivianos, porém, não encontrarão nessas direções vantagens iguais às que oferece o Amazonas. Introduzido o vapor no Madeira o que depende somente da livre navegação do Amazonas, porque não faltara empresário estrangeiro que o tente logo; e rasgada a estrada marginal das cachoeiras que deve ligar a navegação do Madeira à do Mamoré, não resta dúvida de que os melhoramentos introduzidos nas vias de comunicação para o Pacífico ou Paraguai não arrebatarão da linha do Amazonas aquilo que há de ser o seu tributário forçado, isto é, o comércio do Norte e do Centro da Bolívia.

Tavares Bastos, antevendo o futuro, diz:

Mas não é lícito supor que a livre navegação permitiria a algum ousado ianque ou a um corajoso bretão lançar um pequeno vapor, no Mamoré, outro no Madeira, e construir a estrada que deve evitar as cachoeiras?

-  Tratado de Ayacucho – 27.03.1867

O Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição celebrado na cidade de Ayacucho, acordado entre o Brasil e a Bolívia, assim se referia às questões de comércio e navegação:

Artigo 7° - Sua Majestade o Imperador do Brasil permite, como concessão especial, que sejam livres para o comércio e navegação mercante da República da Bolívia as águas dos rios navegáveis, que, correndo pelo território brasileiro, vão desembocar no Oceano. (...)

Artigo 8° - A navegação do Madeira, da Cachoeira de Santo Antônio para cima, só será permitida às duas altas partes contratantes (Brasil e Bolívia), ainda quando o Brasil abra o dito rio até esse ponto a terceiras nações. Todavia os súditos destas terceiras nações gozarão da faculdade de carregar as mercadorias nas embarcações brasileiras e bolivianas.

Artigo 9° - O Brasil compromete-se desde já a conceder à Bolívia, nas mesmas condições de polícia e de portagem, impostos aos nacionais e salvos os direitos do fisco, o uso de qualquer estrada que venha a abrir, desde a primeira cachoeira, na margem direita do Rio Mamoré, até a de Santo Antônio, no Rio Madeira, a fim de que possam os cidadãos da República aproveitar para o transporte de pessoas e mercadorias, os meios que oferecer a navegação brasileira, abaixo da referida Cachoeira de Santo Antônio.

-  Engenheiros Brasileiros

Infelizmente a mentalidade tacanha de nossos estadistas não reconhecia a capacidade empreendedora dos engenheiros brasileiros capazes de construir ferrovias melhores e a menor custo do que os “famosos” engenheiros europeus. Foi necessário um estrangeiro mostrar isso para que quase oito meses depois o tema repercutisse no país.

Quantas estão sendo construídas com o capital estrangeiro, e quantas com capital nacional, mostrando que estas últimas construídas por engenheiros brasileiros custaram menos do que as inglesas, por metade. (James W. Wells, Conferência na Praça do Comércio, Londres, 16.03.1887)

A indignação dos engenheiros brasileiros, quase oito meses depois do pronunciamento de Wells, foi reportada na “Revista de Estradas de Ferro”, editada no Rio de Janeiro pelo Engenheiro Francisco Picanço, no dia 31.10.1887, sob o título “Custo das estradas de Ferro no Brasil”. O artigo comprovava que as ferrovias construídas por engenheiros brasileiros custavam menos da metade do que as construídas pelos engenheiros ingleses.

-  “Engenheiros Keller” – 10.10.1867

Vamos voltar ao ano de 1867, sete meses depois da assinatura do Tratado de Ayacucho. O Ministro da Agricultura, mostrando o quanto o complexo de inferioridade estava arraigado no alto escalão do governo, determinou aos engenheiros alemães José e Francisco Keller que estudassem as melhores formas de se estabelecer uma ligação do Rio Madeira ao Rio Mamoré, contornando as cachoeiras, considerando dentre elas a construção de uma ferrovia.

Os Keller propuseram três soluções, depois de percorrer a região durante apenas quatro meses e três dias, tempo absolutamente insuficiente para embasá-las. A forma como essas alternativas foram apresentadas, sem reconhecimento detalhado dos diversos locais, poderia ter sido tirada de qualquer manual de engenharia sem a necessidade de se visitar o local. Os alemães não tiveram tempo de esboçar qualquer tipo de projeto e suas estimativas de custo não tinham qualquer fundamento técnico. Em relação à ferrovia eles simplesmente confessaram que não havia visto o terreno em que ela iria percorrer. A missão dos Keller foi simplesmente uma piada de mau gosto. Livro dos Keller:

Sugestões dos Keller

1°) Construção de planos inclinados, pelos quais os navios pudessem vencer os fortes declives.
      Nos planos inclinados ou mortonas, as embarcações com a carga se colocam num carro de ferro, correndo sobre trilhos, que continuam mesmo por baixo d’água, até a profundidade necessária.

2°) Abertura de um canal à direita das cachoeiras.
      A abertura de um canal de navegação na margem direita, de um comprimento de 50 léguas mais ou menos praticável para pequenos rebocadores a hélice, encontra no forte declive geral dessa parte do rio uma dificuldade considerável. Tornar-se-ia indispensável a construção de comportas, porque a velocidade das enchentes seria tamanha que poderia impedir a navegação, tornando-se ao mesmo tempo a conservação do canal dificílima.

3°) Construção de uma Estrada de Ferro de aproximadamente 50 léguas de extensão.
      Este traço não seguiria a linha reta entre Santo Antônio e Guajará-Mirim por ser o nivelamento de um traço nesta direção forçosamente muito defeituoso e inteiramente impróprio pra uma Estrada, por causa das ramificações da Serra Geral (Serra dos Parecis), que se estendem até a margem direita do rio, porém, nem assim seria preciso seguir em todos os pontos as curvas do rio, podendo-se atalhar diferentes de entre elas.



Fonte: FERREIRA, Manoel Rodrigues – A Ferrovia do Diabo – Brasil – Edições Melhoramentos, 1959.




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