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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Desafiando o Rio-mar - Partida para Oriximiná

Desafiando o Rio-mar - Partida para Oriximiná

 
“O Rio Trombetas, que Acuña denomina Cunuris, e na língua geral é Oriximiná, não foi ainda navegado até as suas cabeceiras, porque numerosas e altas cataratas se contrapõem aos viajantes, que lhes vão procurar nos arredores a salsaparrilha e o cravo-do-maranhão. Acima das cachoeiras, dizem que o Rio corre através de campos. A sua bacia inferior é tão plana, como a dos demais afluentes do Amazonas, e comunica-se a ele por um furo Ocidental com o seu vizinho Rio Neamundá (Nhamundá, Iamundás). Até a foz Oriental deste último, calculam os navegantes em seis léguas a distância, que percorremos num dia.
 (Johann Baptist Von Spix e Carl Friedrich Philipp Von Martius. - 1819)

- Partida para Oriximiná (14 de janeiro de 2011)

Fui dormir cedo na véspera da partida, pois havia marcado minha partida para as 4h30 (horário do Pará). O enorme Estado do Pará possui apenas um fuso horário e, como o município de Juruti se encontra no extremo oeste dele, isto significava que eu pretendia navegar em torno de duas horas à noite em uma área totalmente desconhecida. Instalei minha lanterna de cabeça e parti na hora marcada. O porto de Juruti é muito concorrido, isso exigia medidas adicionais de segurança. Segui a corrente pelo Paraná de Juruti, procurando ficar próximo da Ilha de mesmo nome, a fim de evitar a rota tradicional das demais embarcações. Como sempre, os banzeiros estavam presentes, sem dar trégua. Depois de contornar a ilha, eu tinha de seguir rumo norte atravessando o canal onde trafegam os grandes navios. Chamei pelo rádio o Sargento Barroso e pedi que ele me ultrapassasse, para que eu seguisse na sua esteira. Pretendia aproveitar a luz do holofote de popa para avistar as marolas marotas que surgiam de todos os lados. O Piquiatuba parou de repente para aguardar um grande navio que passava rumo a Manaus. Passados alguns minutos continuamos nossa jornada e pedi que avisassem ao piloto que mantivesse a velocidade de quatro nós (7,2 km/h). Só mais tarde soube que não dispunham de nenhum medidor de velocidade a bordo e, apesar de a Rosângela informar, insistentemente, o piloto de que eles estavam se distanciando demais de mim, nada foi feito até a primeira parada. Embora eu tenha mantido um ritmo bastante forte, de 5 a 6 nós, eu não estava conseguindo seguir na esteira da embarcação de apoio e, em consequência, não podia aproveitar as luzes do holofote traseiro.

O banzeiro diminuiu e, finalmente, consegui manter a estabilidade do caiaque e me comunicar com o piloto, determinando que ele parasse para me abastecer de líquido e tratar da forte dor muscular no trapézio. Estava começando a clarear no horizonte e determinei que, a partir daquele ponto, o Piquiatuba é que deveria me seguir. Agora já se podia avistar, com alguma dificuldade, a silhueta da ilha de Santa Rita, que eu deveria contornar antes de penetrar no Paraná de Cachoeiri, ao Norte dela. Entrei no Cachoeiri, às 7h30min, e verifiquei que o Paraná possuía uma correnteza forte, graças à sua grande profundidade, em torno dos 40 metros. Às 10h45min avistei o Rio Trombetas, rumei para a margem esquerda do Paraná para facilitar sua abordagem. Colado na margem, procurei diminuir o ritmo das remadas, economizando energia para atravessar o belo afluente do Amazonas. Felizmente o Trombetas ainda estava muito baixo e não tive qualquer dificuldade em passar para sua margem esquerda. Chegamos ao Porto de destino, às 11h15min, e, depois de um banho, ligamos para o irmão Capitão Marcelo, comandante da Polícia Militar em Juruti. Mais uma vez os irmãos da PM demonstraram sua disposição em nos ajudar, e conseguimos, graças aos seus contatos, ficar hospedados gratuitamente no excelente Oriximiná Hotel, administrado pela senhora Kátia Maria Feijão Ribeiro.

- Visita ao Lago Iripixi (15 de janeiro de 2011)

“A natureza é nossa, nós temos que preservá-la. As pessoas não têm a consciência de coletar seu lixo e isso é prejudicial. Aqui a gente não vê mais o boto, muitos peixes já sumiram”. (Dinéa Machado)

Às nove horas abastecemos a voadeira e seguimos rumo ao Lago Iripixi. As areias brancas e as águas limpas do Lago são convidativas. Conversamos com populares, visitamos o belo Parque de Exposições José Diniz Filho e tomamos um revigorante banho no Lago. Infelizmente a beleza da natureza é ameaçada com a poluição irresponsável de quem não se preocupa com o meio ambiente. Cacos de vidro, plásticos e outros detritos maculavam aquela bela obra da natureza, que estava sendo corrompida graças à sua proximidade com o núcleo urbano.

- Tour em Oriximiná

À tarde, o Mário conseguiu um veículo com um amigo, o que nos permitiu conhecer a bela cidade. O ponto mais marcante foi, sem dúvida, a Praça do Centenário, idealizada pelo ex-prefeito de Oriximiná - Raimundo José Figueiredo de Oliveira (1975/1985). Criada com o objetivo de comemorar os 100 anos de Oriximiná, a Praça foi totalmente remodelada pelo Prefeito Luiz Gonzaga Viana Filho e inaugurada em dezembro de 2003. Um projeto arquitetônico inovador e harmonioso que incluiu espelhos d’água em diversos níveis onde repousam enormes tambaquis.

- Tudo Justo e Perfeito

“Oh! quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união. É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a barba de Arão, e que desce à orla das suas vestes. Como o orvalho de Hermom, e como o que desce sobre os montes de Sião, porque ali o SENHOR ordena a bênção e a vida para sempre”. (Salmo 133)

Os caros irmãos da Loja Maçônica Vitória Régia convidaram a mim e ao Teixeira para um fraternal bate papo. O convívio fraternal foi acompanhado de muitas histórias, de lendas e boa música, que reproduziremos em artigos futuros e no próximo livro.

- Visita ao Lago Caipuru e ao Rio Cuminá (16 de janeiro de 2011)

“Recebo carta amiga contando a morte de Gastão CRULS (...) Imagino a saudade com que todos estão recordando aqueles convites para a Rua Amado Vervo, na pequena casa decorada com lembranças da viagem ao Amazonas, o sorriso enternecido à lembrança de suas brincadeiras, que tinham um perfume de meninice, de primeiro-de-abril antigo - os presentinhos anônimos, os cartões disparatados que deixavam risonhos e intrigados os seus destinatários”. (Rachel de Queiroz - Revista O Cruzeiro - 29 de Agosto de 1959)

Às dez horas partimos de voadeira rumo ao Lago Caipuru. As raízes retorcidas da vegetação de várzea fizeram-me lembrar Mamirauá. Descemos nas belas praias e registramos suas imagens para a posteridade. Partimos, então, para o Cuminá. A simples lembrança de que Rondon ali estivera, acompanhado de Gastão Cruls, fazia com que a emoção tomasse conta de todo o meu ser. A decisão de Cruls de abandonar os livros de lado e se embrenhar definitivamente na Hiléia para vivenciá-la tinha muito a ver com minha decisão de levar adiante o Projeto “Aventura desafiando o Rio-mar”.

Gastão Cruls, filho de Dr. Luís Cruls, foi médico sanitarista, geógrafo, astrônomo e romancista, nasceu na Cidade do Rio de Janeiro, em 4 de maio de 1888, e nela faleceu a 7 de junho de 1959. Formou-se em Medicina em 1910, especializando-se em medicina sanitária. A partir de 1926 dedicou-se exclusivamente à literatura. De 1931 a 1938 dirigiu a revista literária Boletim de Ariel. Suas obras procuravam retratar a vida brasileira, em especial a realidade Amazônica. Seu romance “A Amazônia Misteriosa” (1925), baseado nas mitológicas Amazonas, foi transformado em filme em 2005, com o título de “Um Lobisomem na Amazônia”. A sua obra embora tenha como cenário a região Norte do país, era ainda desconhecida pessoalmente pelo autor. Em 1928, Cruls resolveu conhecê-la pessoalmente, acompanhando a expedição do General Rondon, que subiu o Rio Cuminá até os campos do Tumucumaque nos anos de 1928 e 1929. A viagem iniciou a 13 de setembro de 1928, e Cruls retornou após ter chegado aos campos situados ao Sul da cordilheira do Tumucumaque, seguindo o conselho de Rondon, enquanto esse e sua equipe continuaram até chegar às próprias cordilheiras. O livro “A Amazônia que eu vi” é fruto dessa viagem que Cruls relata na forma de diário de viagem. O relato de Cruls, ao contrário dos demais viajantes que o antecederam, não possuía nenhum interesse econômico, e outros integrantes da equipe, por sua vez, se encarregavam dos objetivos científicos. Sua função na expedição era, simplesmente, a de ser o seu “cronista”. Cruls demonstra, ao contrário dos pesquisadores europeus, um profundo respeito pela cultura regional, reportando as informações colhidas junto aos membros mais humildes da expedição.

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