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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Desafiando o Rio-mar – Centro Cultural João Fona

Desafiando o Rio-mar – Centro Cultural João Fona

“O Cavalleiro Carlos Fred. Phil. de Martius, membro da Academia R. das Ciências de Munich, fazendo de 1817 a 1820 de ordem de Maximiliano José, Rei da Baviera, uma viagem scientifica pelo Brazil, e tendo sido aos 18 de setembro de 1819 salvo por misericórdia divina do furor das ondas do Amazonas, junto à Villa de Santarém, mandou, como monumento de sua pia gratidão ao todo poderoso, erigir este crucifixo nesta igreja de nossa Senhora da Conceição, no ano de 1846”.
(gravação, em relevo, na chapa de ferro do Crucifixo de Von Martius).


- Centro Cultural João Fona



O prédio, projetado pelo Major Engenheiro Pereira Sales, começou a ser construído em 1853, foi concluído em 1867 e inaugurado no ano seguinte. É uma bela construção no estilo colonial brasileiro que sofreu pequenas alterações, em 1926, determinadas pelo Coronel Joaquim Braga, Intendente Municipal. No prédio, localizado na Praça Barão de Santarém, centro da cidade, funcionou o Fórum de Justiça de Santarém, o Presídio, a Intendência Municipal, a Prefeitura Municipal e, atualmente, funciona o Centro Cultural João Fona e a Academia de Letras e de Artes de Santarém. O acervo do Centro é composto de cerâmicas tapajônicas, uma herança das populações indígenas que habitaram antigamente a região, objetos históricos da Câmara de Santarém do início do século passado e recebeu, recentemente, o esqueleto de uma baleia Minke que, perdida, encalhou no dia 14 de novembro de 2007 num banco de areia do Rio Tapajós.

- Entrevista Laurimar dos Santos Leal


Depois de me identificar como pesquisador fui levado até os aposentos onde se encontrava o mestre Laurimar Leal. O grande mestre das artes santareno, conhecido nacional e internacionalmente, despertou para as artes aos nove anos. O jovem artista juntava cerâmica e procurava reproduzir, em casa, as obras expostas na Catedral. Com o passar do tempo foi aprendendo sozinho, mas confessa, com certa humildade, que mesmo sendo autodidata recebeu influências de outros artistas. Homem de múltiplos talentos, oriundo de uma família de músicos, Laurimar é ceramista, escultor e pintor. Migrou ainda jovem para o Rio de Janeiro onde sobreviveu como artista de rua e voltou à sua terra atendendo a um pedido do então Prefeito de Santarém Everaldo Martins, onde se dedicou, de corpo e alma à cultura, ao teatro e ao folclore da região. Suas obras estão expostas em Santarém, Manaus, São Paulo, Rio de Janeiro, Portugal, França, Espanha e Japão, locais onde coleciona inúmeras homenagens e títulos. Foi responsável pela pintura do interior da Igreja Matriz e pela restauração de várias peças sacras, além da galeria de prefeitos exposta no Centro Cultural João Fona. Hoje, aos 72 anos de idade, o artista cujo talento encanta a todos que conhecem sua arte e é motivo de orgulho para todos os santarenos que viram brotar de suas mãos a própria história de Santarém está cego. Mas com uma força invulgar e uma alegria contagiante ele mesmo afirma: “A gente está sempre aprendendo, por exemplo, agora eu tenho uma aula, uma lição para aprender a viver sem enxergar com o olho da cara, só com este (o terceiro olho)”. Laurimar me presenteou com uma pequena, mas muito agradável e bem humorada entrevista.

O meu nome é Laurimar dos Santos Leal, o meu dos Santos é emprestado porque a minha família foi escrava da família Rodrigues dos Santos, aqui em Santarém pelo lado da minha mãe, e o Leal é da parte dos comerciantes judeus que vieram lá do Marrocos; essa é a minha origem, minha ascendência é exatamente essa. Nasci no dia 24 de julho de 1939, eu desde os 9 anos de idade sempre trabalhei com o lado artístico, mexendo com cerâmica Santarém, pinturas, esculturas. Em Santarém minhas obras podem ser admiradas nas praças, nos monumentos e no interior das igrejas. Sempre trabalhei fazendo o que gosto, o que quero, para quem gosto, para quem quero; se não quero trabalhar para aquela pessoa eu digo: olha, não dá. É por isso que me dizem que o meu trabalho é bom, é porque o faço por prazer. E meu lema de vida é muito interessante: quem não vive para servir, não serve para viver – isso é o que eu uso como lema, pois eu sempre servi e acho que só vou parar de servir materialmente as pessoas quando eu morrer. Muito obrigado! (Laurimar dos Santos Leal)

- Baleia Mink


Há pouco mais de três anos uma baleia Minke encalhou num banco de areia nas margens do Rio Tapajós, município de Belterra. A baleia Minke (Baleanoptera acustorotrata), uma das menores espécies de baleias do mundo, foi encontrada por moradores da Comunidade de Piquiatuba. Apesar dos todos os esforços de voluntários e do IBAMA, o animal foi encontrado boiando, na manhã do dia 16, na Comunidade de São José, no Rio Arapiuns. Os técnicos não sabem até hoje os motivos que levaram o animal ao óbito. Estas baleias costumam viver em pequenos grupos e, eventualmente, sozinhas. São encontradas em todos os oceanos, nas áreas oceânicas ou costeiras aonde chegam a penetrar em baías e estuários de águas rasas. No verão elas buscam os pólos para se alimentar e no inverno migram para regiões mais quentes para acasalar-se ou criar os filhotes.

- Museu de Arte Sacra da Diocese de Santarém

Fomos convidados pelo o Padre Sidney Augusto Canto a visitar o Museu sobre o qual retirei breves e interessantes informações do Livro do Centenário da Diocese de Santarém.

“O Museu de Arte Sacra da Diocese de Santarém faz parte do complexo da catedral de. O prédio foi construído no século XIX e serviu de residência de Domingos Veloso, antes de ser adquirido pela Paróquia de Nossa Senhora da Conceição. Do edifício original apenas a fachada está mantida. Em 2002, A Diocese de Santarém, em vista das comemorações do seu Centenário, decidiu transformar o andar térreo, onde funcionava o salão paroquial, em um Museu. Dom Lino Vombommel, bispo de Santarém, foi o idealizador. Considerada a nova residência da Cultura Religiosa Santarena, o Museu de História e Arte Sacra foi inaugurado no dia 22 de junho de 2003, por ocasião do 342° aniversário de Santarém e do encerramento do IV Congresso Eucarístico Diocesano. O Museu possui um dos acervos mais diversificados da Região Norte. São imagens sacras, objetos de culto, documentos, indumentárias, pinturas, além de um bom acervo fotográfico que nos remete ao passado da Igreja Católica e do Município de Santarém, como bem relata o escritor Emir Bemerguy: “Emocionante vem sendo a colaboração dos santarenos, tanto dos nossos bairros como das Comunidades interioranas. Preciosidades ocultas em capelas e residências, algumas com mais de dois séculos, foram cedidas ao Museu, por doação ou por empréstimo, valorizando demais o patrimônio ali reunido”. (Livro do Centenário da Diocese de Santarém)

- Crucifixo de Von Martius


“Infelizmente, o céu num instante todo se toldou de nuvens negras; as ondas do Rio empinaram-se e sobreveio o tufão, acompanhado de pavorosos trovões. Dentro de três minutos, o dia claro tornara-se noite tão profunda, que só ao clarão dos relâmpagos reconhecíamos as margens; e, embora tivéssemos a fortuna de enrolar de novo as velas apenas armadas, a ventania, acompanhada de chuva, nos tocava Rio acima com a rapidez de uma flecha de modo que em poucos minutos fizemos quase meia légua. Conseguimos, finalmente, por a canoa a salvo na margem, e também vimos, com regozijo, chegar a montaria ilesa de estragos, passado o temporal; a não ser uma verga partida, só lamentamos a perda de alguns papagaios, os quais naquela confusão foram atirados do convés ao Rio”. (SPIX e MARTIUS – Costa de Amatari – Itacoatiara - AM)

De todas as peças a que mais chamou minha atenção foi uma pintura do amigo Laurimar em que ele, usando apenas os dedos das mãos, em menos de seis horas, procurou retratar a tempestade enfrentada por Martius, no dia 18 de setembro de 1819, quando foi “salvo por misericórdia divina do furor das ondas do Amazonas, junto à Vila de Santarém”.


É interessante verificar que Martius reporta com detalhes a tempestade que enfrentou na costa de Amatari, próximo a Itacoatiara, e não menciona, em nenhum momento em sua obra, a que sofreu nas costas de Santarém. Apenas a gravação, em relevo, na chapa de ferro que acompanhava o Cristo Crucificado, de ferro fundido, doado à Igreja Matriz em sinal de gratidão ao Senhor, faz menção ao fato.



Chama atenção, também, o fato de a Igreja Matriz consagrada à Nossa Senhora, abrigar no seu altar-mor o crucifixo doado por Martius e não a imagem da própria virgem.



- Tempestade no Tapajós

No regresso de nossa missão no Tapajós quando visitamos Fordlândia e tentamos, infrutiferamente, encontrar o “Berço da Humanidade”, no Rio Cupari, enfrentamos a fúria dos ventos e das águas do Tapajós. A violenta tempestade, felizmente estava alinhada com nossa proa e não oferecia muita resistência ao vento, o Piquiatuba corcoveava indômito e valente, enfrentava a procela como a nau Argo, do distante pretérito, rumo ao Velo de Ouro. Lembrei-me imediatamente, neste dia, de Martius e do quadro do Mestre Laurimar, felizmente nosso competente timoneiro, o Sargento Barroso, conhecia, como ninguém, todas as manhas de sua arte e conduziu com segurança nossa embarcação até o porto distante.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Desafiando o Rio-mar – Minas do Rei Salomão?

Desafiando o Rio-mar – Minas do Rei Salomão?


“O que não é mais possível contestar com legítimos fundamentos é que estamos na América em presença de vestígios de uma civilização antiga muito superior a das populações que aqui encontramos. (...) O selvagem que os portugueses encontraram aqui não poderia ter sido o autor dessa infinidade de objetos exumados dos cemitérios antigos de alguns dos sambaquis e das aldeias ou malocas soterradas: ídolos, instrumentos, artefatos de uso doméstico, adornos, etc, etc” (Bernardo Ramos)

- Origem das Inscrições Rupestres Americanas

Antes de iniciar a descida do Amazonas de Manaus até Santarém fui presenteado pelo caro amigo e mestre Altino Berthier Brasil com o livro “Inscripções e Tradições da América Pré-histórica”, editado em 1929, do professor, arqueologista e pesquisador amazonense Coronel Bernardo Azevedo da Silva Ramos, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Estado do Amazonas, além de uma série de instituições de pesquisa nacionais e estrangeiras. Fiquei fascinado com o presente já que as inscrições que eu observara no Solimões e seus afluentes e, principalmente na foz do Jaú, no Rio Negro, haviam chamado minha atenção. No Rio Amazonas esse tipo de pinturas e petróglifos podem ser encontrados no rio Urubu, Itacoatiara, Oriximiná, Óbidos, Alenquer e outros tantos sítios que não pudemos observar em virtude das cheias. Ao regressar de minha jornada iniciei a leitura da obra de Bernardo Ramos, hoje considerada muito rara. O pesquisador assegurava que muitas das inscrições rupestres encontradas na América tratavam-se de “escritas primitivas”, comparando-as com as letras de alfabetos conhecidos, propondo, depois de uma ampla análise das inscrições rupestres encontradas em todo o continente americano, que elas teriam sido realizadas por fenícios e gregos, vinculando, portanto, a antiguidade brasileira à antiguidade do Oriente Médio e da Grécia. A obra de Bernardo Ramos baseava-se na controvertida publicação de Enrique Onffroy de Thoron. No seu livro “Antiguidade da Navegação do Oceano. Viagens dos navios de Salomão ao rio das Amazonas, Ophir, Tarschich e Parvaim”, de 1869, traduzido e publicado em português, em Manaus, em 1876, Thoron defendia que os navios do Rei Salomão já haviam singrado as águas do portentoso Rio-mar e que o país de Ophir que abastecia de ouro o suntuoso monarca localizava-se à bacia superior do Amazonas.

- O Rei Salomão no Rio das Amazonas
Por Viriato Corrêa - Histórias da nossa história (1829)

“Das teses que se tem escrito sobre a antiguidade do Brasil, a mais audaciosa, a mais estranha, é certamente aquela de Henrique Onffroy de Thdron. A tentativa é de uma intrepidez simplesmente assustadora. Onffroy de Thoron arroja-se a provar estas coisas extravagantes: Que os navios de Salomão, do grande rei Salomão, o da Biblia, sulcaram muitas vezes as águas do Amazonas; que o lendário e maravilhoso pais de Ofir, de onde o rei sábio tirou o imenso ouro que o tornou o monarca mais suntuoso da terra, estava colocado na vertente do Amazonas, banhada pelo rio Japurá; que a região de Parvaim não é outra senão a bacia superior do Amazonas, no território oriental do Peru; que o rico país do Tarschisch, de que tanto falam os livros sagrados, também era na Amazônia e, finalmente, que as madeiras, empregadas no magnífico templo do grande rei, eram madeiras brasileiras. (...)

Para chegar à afirmação de que o Brasil era conhecido na mais recuada antiguidade, de Thoron começa por procurar convencer que a América era familiar dos povos antigos. Não lhe é difícil esta coisa. Os Diálogos de Platão são claros. Através de Sólon e Critias, o filósofo indica a posição da famosa Atlântida; em seguida, aponta por trás da Atlântida numerosas ilhas, que só podem ser as Antilhas de hoje. Atrás destas, diz Platão, está a “grande terra firme”. “O que acaba de ser designado como terra firme (fala Platão pela boca de Critias) é um verdadeiro continente”. E mais: “atrás da terra firme está o grande mar”.

— É ou não é a indicação da América com o Grande Oceano Pacífico atrás? pergunta de Thoron, triunfalmente.

Parece claro, claríssimo.

Não é só em Platão que se arrima. Povo, com ancianidade igual à sua, os Egípcios só conheciam os Frígios. Teopompo, poeta e historiador grego, narra que Sileno, 1329 anos antes de nossa era, ensinou a Midas, rei da Frígia, que, além, longe da Ásia, Europa e da Líbia (África) que são, propriamente falando, ilhas, existia o “verdadeiro e único continente”, de imensa extensão, chamado Meropio, habitado pelos Meropios e governado por Mérope, filha de Atlas, rei da Líbia. Atlas, no egípcio-líbio, quer dizer “do país”, “nascido no país”, posto que ele fosse descendente dos Atlantes, assim como os seus súditos estabelecidos na Líbia. Ora, na língua quichua ou dos Antis da América equatorial, que de Thoron mostra conhecer profundamente, anti significa “altos vales”; Atlantes — “pais de altos vales”. Anti é justamente o nome dos Andes da America equatorial e, as suas povoações, ainda hoje, têm o nome de Antis. Sileno descreve Meropio com vastas cidades, grandes animais, muito ouro e muita prata. Semelhante descrição, conclui Onffroy de Thoron, só pode ser da América. As provas que ele apresenta são muitas e aqui não caberiam. Deodoro da Sicília indica positivamente a América: “Está distante da Líbia muitos dias de navegação e situada ao ocidente. Seu solo é fértil e de grande beleza e regado de rios navegáveis. Vêem-se ali casas suntuosas. A região é montanhosa e coberta de arvoredos espessos e árvores frutíferas de toda a espécie. A caça é abundante, o ar é de tal modo temperado que as frutas das árvores e outros produtos ali brotam fartamente todo o ano”.

Entra pelos olhos. Rios navegáveis só possuem os continentes; edifícios suntuosos, — é sabido que a América os possui desde a mais remota antiguidade. E Deodoro diz como a região por ele descrita foi descoberta: os Fenícios iam explorar o litoral situado além das colunas de Hércules, mas tempestades violentas os levaram muito longe do oceano, até as plagas da terra distante. Os Carios ou Cares estiveram na America e estabeleceram até uma dinastia em Quito. Plutarco conta que o continente de Mérope fôra visitado por Hercules, numa expedição que fez para o oéste, e que seus companheiros ali apuraram a língua grega que começava a adulterar-se. O próprio Plutarco é de opinião que as origens gregas estão na America. De Thoron, conhecedor exímio da língua quichua ou dos Antis da América equatorial, descobriu que esta língua contém centenas de palavras gregas. Mais ainda: as divindades pelágicas, gregas e romanas, têm seus nomes e suas etimologias exatas no quichua. O estudo da mitologia e o estudo dos astros eram idênticos na Ásia, Europa e América; a vestimenta e atributos sacerdotais iguais ou quase iguais aos que se vêem nos monumentos egípcios e, por fim, a circuncisão usava-se igualmente no Egito, na América e entre os Hebreus.

Nos Paralipomenos, liv. 2.°, cap. 3.°, vers. 6.°, conta-se que “Salomão adornou a sua casa com o ouro de Parvaim”.

Onde fica Parvaim? Na bacia superior do Amazonas, no território oriental do Perú, assegura Thoron, ousadamente. Os argumentos são interessantes. Parvaim é a pronuncia alterada de Paruim. No antigo alfabeto latino, confundia-se o v com o u; o iod, que é a vogal i, muitas vezes se lê com a pronúncia ai no hebraico. Mas, no texto hebraico, o ouro de Paruim está escrito Zab-Paruim; em grego dos Setenta, igualmente Paruim. A terminação im indica o plural hebraico; vem acrescentada a Paru porque efetivamente existem na bacia superior do Amazonas, no território oriental do Perú, dois rios auríferos, um com o nome de Parú e outro com o de Apu-Parú, “o rico Parú”. Esses rios juntam-se em 10° 30' de latitude meridional e despejam-se depois no Ucaiali, um dos grandes afluentes do Amazonas. Os rios de nome Parú fazem justamente um plural e dão o Paru-im dos Hebreus. E mais: os rios Parú e Apu-Parú descem da província de Carabaia, a mais aurífera do Perú. Ai está achada a rica região de Parvaim. Quando David morreu deixou a Salomão, para a construção do templo, 7.000 talentos de prata e 3.000 de ouro de Ofir.

Onde ficava Ofir? Muitos escavadores de coisas antigas colocaram-no na Arábia Feliz, na Índia, no Ceilão, em Sumatra, Bornéu, na costa oriental da África, etc. Não pode ser. E não pode ser, além de muitas outras razões, por esta razão séria: porque os navios de Salomão, de ida e volta a Ofir, gastavam três anos. Para determinar a situação de Ofir, de Thoron escava a significação da palavra. No Capítulo 10, Livro I dos Reis, versículo 2, o nome está escrito em hebraico de dois modos — Apir e Aypir, e, no Capítulo 9, versículo 28, assim se escreve — Aypira. Esta última forma acusativa de Aypir tornou-se um nominativo. Aypira não é senão o nome mal pronunciado de Japurá, grande afluente do Amazonas ou Solimões, grita o americanista, corajosamente.

Onffroy de Thoron é um filólogo profundíssimo. O seu conhecimento do quichua, língua que ainda hoje se fala na bacia superior do Amazonas, é sólido. As suas deduções são tiradas com o apoio da filologia. Aypira é Japurá em conseqüência de uma permuta de letras, tais como: em quichua yura “folhagem” faz em vasco urya; “baso”, em quichua, é kirau e, em chaldaico, kiura, etc. etc. (...) Assim, pelos exemplos de permutas e de substituições de vogais, que não alteram a significação das palavras, nada se opõe a que — Aypira da Bíblia — tenha vindo do nome do rio Japurá. Encantadoramente simples. E procura solidificar a afirmativa. A palavra Yapura compõe-se de y, que em quichua é “água”, e de apura que é o nome de Apira ou Apir — “agua ou rio Apir ou de Ofir”. Apesar da distância de 2.880 anos, a palavra não sofreu senão a alteração de uma vogal — Yapurá em lugar de Yapira! Esse vocábulo é legitimamente quichua, e os mineiros de toda a cordilheira dos Andes, e da bacia superior do Amazonas, têm o nome de Apir ou de Apiri; e em alguns lugares, de Yapiri, Apir ou apiri referem-se aos mineiros, enquanto Aypir, Aypira ou Yapura indicam que eles trabalham na água em que se faz a lavagem do ouro. Só? Não! No mapa de Samuel Fritz, na margem esquerda do Yapurá aparece uma montanha que La Condamine diz conter prodigiosa quantidade de ouro. Dela desce o Rio dei oro, cujo nome indígena é ikiari. Ikir, em hebraico, é “precioso” e iari “rio” — o “rio precioso”. O rio desemboca no Yumaguari. Ora, yuma, “ouro nativo”, é palavra indígena unida aos dois vocábulos hebraicos gu “centro” e ari “cavidade”. Yumaguary — significa, pois, — “cavidade centro do ouro nativo”. E mais: o Yapurá tem um afluente aurífero chamado Masai ou Masahy. Masai é palavra formada do hebraico massar “rico” e de i “aguaem quichua. Masai — “agua rica”. Os hebreus davam o nome de masaroth aos tesouros consagrados. E Onffroy de Thoron conclui, depois de varias deduções, que a magnífica região de Ofir está situada no território columbiano e brasileiro num triangulo formado: de uma parte, pelas montanhas de Papayan e de Cundinamarca, até o lago Yumaguari e de outra parte pelo rio Ikiari, até a montanha aurífera de onde este desce, e pelo rio Yapura. Está explicada assim a longa ausência de três anos dos navios de Salomão, quando em busca do ouro de Ofir. É que eles seguiam para longe, estacionavam demoradamente no rio que tinha o nome do grande rei.

E que rio era esse? O Amazonas de hoje. Desde a foz do Ucayali até a foz do Negro o Amazonas tem o nome de Solimões. E de Thoron afirma, com uma convicção impressionante, — Solimões é o nome viciado de Salomão, dado ao rio pelas frotas do rei sábio. Em hebraico Salomão é Solina e em árabe Soliman. A oeste do Pará, dizem as crônicas dos primeiros dias do Brasil, havia uma imensa tribo com o nome de Soliman, que era a do rio. Daí fizeram os portugueses Solimão, porque costumam mudar o n final na vogal o. Ao que parece, Ofir foi depois abandonado pelos navios de Salomão. As várias viagens trienais, com exceção de uma, referem-se a Tarschisch. De Thoron conclui pelo abandono. E a explicação é curiosíssima. O Yapurá tem embocaduras mal definidas, que se obstruem facilmente com os troncos trazidos pelas águas. Isso devia causar aos marinheiros de Salomão grandes aborrecimentos e enorme confusão, quando se tinham que internar naquele dédalo de ilhas e canais. E não era só isso. O rio era, como ainda é, insalubre, o que devia aterrorizar os marinheiros. E mais ainda: explorando, mais para o oeste, o Amazonas, os Hebreus e os Fenícios encontraram ouro mais fino, clima melhor e navegação mais cômoda. Aproximando-se dos Antis, povo meio civilizado e laborioso, podiam deles tirar bom proveito e abastecimento para os seus navios.

O livro dos Reis diz: “Uma vez, de três em três anos, os navios vinham de Tarschisch, trazendo ouro, prata, marfim, monos e pavões”.

De Thoron decompõe a palavra Tarschisch. A etimologia é encontrada na língua quichua — tari “descobrir” e chichiy “colher ouro miudo”. Tarschisch — “lugar em que se descobre e colhe ouro miudo”. “Para ir a Tarschisch o profeta Jonas embarcou em Joppe (Java)”, diz a Biblia”. É evidente que era para empreender a navegação do Atlântico; pois, caso contrário, embarcaria no mar Vermelho. “Os servos de Hiram e de Salomão, que trouxeram ouro de Ofir, conduziram algum e pedras preciosas. E também a frota de Hiram, que trouxe o ouro de Ofir, importou grande quantidade de árvores almug e pedras preciosas”. (Livro dos Reis) Para uns, Tarschisch é Tarso, cidade de Sicília, para outros Cartago e para outros Gades. Impossível. Nenhum desses lugares produziu ouro, nem prata, nem pedras preciosas, nem monos, nem pavões. Não pode ser a África, como querem alguns, pois também não existem pavões na África.

É ainda da filologia que se serve de Thoron. Almug, a madeira de que falam os livros sagrados, vem do hebraico alamadeira dura e consagrada” e do termo quichua mucki odorífero”. Almug — “madeira dura de bom cheiro”. Foi com ela, segundo a Bíblia, que Salomão construiu as colunas do templo de Jerusalém. Algum, a outra madeira falada, tem, no hebraico, o plural em algumim. A etimologia está no hebraico - ala “madeira” e no quichua humu “curva”, ou ainda nos vocábulos quichua alli “bom”, kumu “curva”. Almug é “madeira curva” ou de “boa curva”. Almug foi empregada nos pilares e algum nos arcos e nas abobadas do templo. Simplicíssimo!

A frota de Tarschisch levou também “pavões” — tuki, cujo plural é tukum. A palavra é quichua. “Tuki” vem do quichua “inchado de orgulho, orgulhoso”. Os pavões e os perus são aves inchadas de orgulho ou simplesmente tukum “as orgulhosas”, como lhes chama a Bíblia.

Mono” — kap e kapim tira a sua etimologia do quichua kap — “agarrar fortemente com a mão”, o que é muito próprio dos macacos. Há um confluente do Amazonas denominado Kapim (rio dos macacos).

A palavra “marfim” é designada na Bíblia pelos nomes de Schanabim e de Karnot-schan. A origem está no tipo falado na bacia amazônica. “Dente” é, no tupi, schan, shaina, shene e sahn. Porém schan é hebraico, o que de alguma maneira mostra que os Hebreus estiveram no Brasil. Na América havia elefantes; foram encontradas seis variedades de elefantes fósseis. No tempo de Salomão é possível que eles vivessem.

A monografia de Onffroy de Thoron é curiosíssima. Pelo menos forte impressão ela nos deixa. Pelo menos faz pensar. Quando mais não seja — diverte”. (Corrêa)

- Reinos Desaparecidos Povos Condenados
Por Aurélio M. G. de Abreu

“Um dos trágicos exemplos do que seria a interpretação da simbologia em rochedos e cavernas do Brasil resultou numa obra em dois grossos volumes, onde o autor (o Coronel Bernardo Azevedo da Silva Ramos), após um magnífico trabalho de levantamento de centenas de inscrições em diversos Estados do Brasil, perde-se inteiramente ao tentar decifrar cada inscrição, decompondo arbitrariamente os sinais encontrados e apresentando traduções que não conseguem convencer em nenhum momento.

Na opinião daquele autor, as inscrições seriam gregas, e em sua maioria constituiriam sentenças piedosas de louvação aos deuses do Olimpo. A obra em questão, hoje não muito fácil de ser obtida, intitula-se “Inscripções e Tradições da América Pré-histórica”. Seu valor real consiste na apresentação de petróglifos situados em locais de difícil acesso, e mesmo de inscrições que foram destruídas pelo vandalismo de curiosos despreparados. Após a publicação da obra, o ataque dos donos da ciência, que não tiveram a capacidade de reconhecer os méritos das pesquisas do autor, foi tão forte que poucos se atreveram a voltar ao assunto. O último a fazê-lo, o aventureiro Marcel Homet, contribuiu ainda mais para que o assunto se tornasse tabu.

Mas haveria alguma hipótese que explicasse, dentro da lógica científica, que os símbolos existentes foram uma forma de escrita? Ou seria melhor que aceitássemos a assertiva oficial de que tais desenhos representavam apenas passatempo de índios ociosos (que, à falta de coisa melhor, compraziam-se em desenhar rabiscos sem sentido nos lugares mais inusitados?). Não concordamos com a ideia de que os sinais eram resultado de ociosidade (já que, para realizar algumas dessas inscrições, seus autores fizeram esforços terríveis, pendurando-se em pontos de difícil acesso, correndo perigo de acidentar-se), e não adotando a teoria de influências de culturas vindas do outro lado do Atlântico, apresento alguns dados que poderão constituir resposta ao enigma que as inscrições encerram”. (ABREU)

- Conclusão

“Um não menos interessante misto de caracteres em linear e figurativo, profusamente gravados uns e pintados outros, sobre as escarpas das montanhas e rudes blocos de pedras, dispostos caprichosamente pela natureza, nas vastas regiões do Continente Americano e mesmo sobre várias regiões do globo, vem de séculos, suscitando, como no precedente caso, a mesma apreensão e controvérsias. Consideram-se esses caracteres ‘comezinhos’, ‘fenômenos naturais’, ‘meras diversões do selvagem’, letras do diabo’, etc. Demandam eles, entretanto, conveniente interpretação paleográfica, compatível ao atual progresso”. (RAMOS)

Ao analisarmos a obra de Bernardo Azevedo da Silva Ramos temos de considerar o contexto histórico vigente, no século XVII, na “Terra Brasilis”. Naqueles tempos ao mesmo tempo em que a literatura procurava valorizar o indígena como nobre e digno ancestral da nação, os homens de ciência, tentavam, já há algum tempo, há todo custo, associar suas origens aos ancestrais gregos ou fenícios, investindo na busca de achados arqueológicos nacionais que comprovassem nossa matriz cultural eurocêntrica. A vinculação a uma origem comum aos povos mais desenvolvidos, na época, buscava, definitivamente, eliminar uma pretensa inferioridade histórica do Brasil frente ao continente europeu.

Após a Independência do Brasil, em 1822, a qualquer preço, era necessário e urgente se construir uma identidade nacional forte para o novo país. Em 1838, foi fundado o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB), formado por intelectuais que pretendiam estabelecer as bases históricas da nação. A primeira revista do instituto, lançada no ano de 1839, deixa evidente a intenção de identificar as origens remotas da civilização americana nos mesmos moldes europeus. A Revista publicou o Documento 512, datado de 1754, que reportava a descoberta de uma cidade perdida no interior da Bahia e a reprodução das inscrições lá encontradas. Reproduzi este documento, na íntegra, no meu livro “Desafiando o Rio-mar – Descendo o Rio Negro”.

O valor da obra de Ramos não está calcado na sua teoria, mas sim no impressionante acervo coletado em lugares de difícil acesso preservando para a posteridade estas peculiares inscrições, propiciando pesquisas científicas sérias independentemente das ações de inescrupulosos depredadores. Ao contrário do que defende Ramos não há como negar a autenticidade das inscrições rupestres e da cerâmica pré-histórica como obra do homem aborígene, testemunhas patentes de uma cultura extinta. O autor não levou em conta nem mesmo a cultura pré-colombiana que tanto impressionou os invasores espanhóis tentando decifrar sua escrita como caracteres gregos, numa vã tentativa de interpretar a cultura americana dentro de um contexto familiar aos europeus.

Fontes:

Abreu, Aurelio M. G. Reinos Desaparecidos Povos Condenados - Hemus, 1986.

Corrêa, Viriato. Histórias da nossa história - Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1930.

Ramos, Bernardo de Azevedo da Silva. Inscripções e Tradições da América Prehistorica, Vol 1 - Imprensa Nacional, 1930.

Thoron, Enrique Onffroy de. Antiguidade da navegação do Oceano. Viagens dos navios de Salomão ao rio das Amazonas, Ophir, Tarschich e Parvaim, 1869 – Annaes da bibliotheca e Archivo Público do Pará, tomo IV, p. 01-37, 1904.


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Desafiando o Rio-mar – “Homem, conhece a ti mesmo!”

Desafiando o Rio-mar – “Homem, conhece a ti mesmo!”

“Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”. (Sócrates)

- Sócrates

Considerado um dos maiores pensadores da Grécia Antiga nasceu por volta do ano de 470 AC e dedicou seus primeiros estudos à essência da natureza da alma humana. Suas ideias inovadoras e qualidades de orador atraíram a atenção não só dos jovens atenienses, mas da elite conservadora que encarava Sócrates como um agitador e inimigo público. Acusado de perverter a juventude foi preso e condenado a suicidar-se tomando cicuta, em 399 AC. Uma das frases mais conhecidas atribuída ao venerável sábio é: “Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”.


- E-mail do Ir:. Carlos Afonso Urnau Athanasio

Hiram, querido Irmão, SFU!!!

Cumprimentos efusivos pela conclusão de mais uma obra! Frederico Westphalen está te acompanhando, diariamente, através dos teus relatos; professores, funcionários públicos, profissionais liberais, dentre outros, bebem do teu conhecimento. Verifico, que não falastes do “conhece a ti mesmo”, como resultado das tuas remadas pelo sem fim do Rio-Mar.

- Resposta ao Ir:. Carlos Afonso

“Na água que avançava devagarzinho, via seu rosto como num espelho e nessa imagem havia algo que lhe despertava recordações, algo de que se esquecera e que lhe voltava à memória, quando refletia um pouco: esse rosto parecia-se com o de outra pessoa que ele, Sidarta, em tempos remotos, conhecera, adorara e temera. (...) E a voz do Rio ressoava, cheia de saudade, cheia de doloroso pesar, cheia de insaciável desejo”. (Hermann Hesse - Sidarta)

Caro amigo para mim o ato de navegar transcende ao ato físico de impulsionar uma embarcação a remo. Navegar é sonhar, é deixar-se impulsionar pelas forças da natureza para a Terceira Margem, é tornar-se capaz de dissipar as brumas e avistar novos e imaculados horizontes, é deixar a alma entrar em contato com os seres da natureza e receber deles a energia e o conhecimento ancestral. Por isso amigo, afirmo categoricamente que não navego pelos Rios, mas com os Rios, eles me contam histórias, ensinam coisas das águas, das gentes, e das terras. Ao remar meu corpo se funde com o Universo e ao inspirar a suave brisa ela invade meus pulmões tonificando cada órgão, cada célula. Esses infindáveis remares estimulam meus sentidos e fazem-me elevar o pensamento ao Grande Arquiteto do Universo. Tomo conhecimento de minha pequenez física ao mesmo tempo em que reconheço minha grandeza espiritual. Perguntas-me a respeito da célebre frase atribuída a Sócrates e te respondo, amigo, são muitos conheceres, muitos personagens, muitas vidas e não sei se seria capaz de conseguir expor adequadamente minhas ideias e nem mesmo se deveria fazê-lo.

- O Profissional Apaixonado


Abracei a carreira das armas com muita paixão. Afirmo que em toda a minha vida jamais trabalhei, somente me diverti porque sempre fiz o que amava e me dava satisfação. Construí estradas, lancei bueiros e pontes atendendo às normas técnicas mais apuradas e em tempo recorde, comandei o PELOPES do 6° BECmb, campeão da 6ª DE e, principalmente participei, com muito orgulho, da formação de Cadetes e alunos do CPORPA. Nos Batalhões de Engenharia de Construção onde se trabalhava das 4h30 às vinte e duas horas, todos os dias da semana, os resultados eram por demais palpáveis e recompensavam sobejamente o esforço e o suor derramado. Rezei pela cartilha de meu pai que soube, sempre, ouvir e valorizar seus subalternos e com eles, humildemente, aprender. Emociono-me quando observo o anônimo e patriótico trabalho dos jovens militares e vêem-me à mente as palavras do poeta Domingos José Gonçalves de Magalhães (Visconde de Araguaia) – “A ti me voto inteiro, Tu és o meu amor, minha alma é tua”.

- O Esposo

Deixo, propositalmente, esta análise sem o adjetivo apropriado, pois não sei qual seria o termo adequado para qualificá-lo. Uma mágoa me acompanhará, porém, eternamente pela vida afora, não consigo me conformar ou encontrar justificativa que atenue minha aflição. Somente remando consigo, momentaneamente, esquecer este sentimento de culpa que carrego: o de ter entregado minha esposa nas mãos de um médico incompetente e desqualificado. Nada que eu faça agora poderá remediar sua situação e este fardo parece, cada dia, pesar mais e mais.

- O Pai

As atividades profissionais me afastaram de seu convívio e reconheço que muitas vezes fui um pai ausente. Minha esposa assumiu todos os encargos sem jamais reclamar e enfrentou todos os desafios como uma verdadeira “Rainha das Valquírias”. Infelizmente, não possibilitei a meus filhos a educação e as oportunidades que eles mereciam. As despesas com o tratamento de minha esposa nestes sete longos anos impediu qualquer tipo de investimento em benefício deles. É outra culpa, outra dor enorme que me aflige, felizmente eles compreendem a situação e jamais me cobraram nada e sempre me apoiaram.


- O Irmão

Alguns dizem que irmãos não se escolhe, são impostos por Deus e pelos laços sanguineos, mas, felizmente sempre pude contar com apoio deles e eles com o meu. Novamente as incontáveis transferências não permitiram, no passado, que pudéssemos permanecer juntos o tempo bastante e hoje, sempre que possível, procuramos corrigir isso.


- O Amigo

Meus amigos de sempre, meus novos amigos, amigos físicos e virtuais, são os responsáveis por tudo que tenho realizado nas minhas jornadas aquáticas. Não seria possível sem eles, meus filhos, parentes e irmãos manter o foco, a sanidade, a esperança. São os alicerces daquilo que acabou se tornando meu Projeto de vida, meu bálsamo mágico. O estímulo diário de cada um deles, através de palavras carinhosas, de e-mails estimulantes faz-me manter a cabeça erguida frente a tantas vicissitudes.

- O Argonauta

Não tenho parâmetros para saber se meu esforço como canoísta é demasiado ou não para um sexagenário. O contato com a natureza e as águas parece afastar o cansaço e as dores musculares. Os desafios mantêm-me alerta, estimulado, jovem. Parar seria sucumbir ao desânimo e à dor. Já afirmei anteriormente que nada temo quando remo porque sinto como se Ele estivesse empurrando o meu remo e impulsionando a popa do caiaque.


- O Mestre e o Discípulo

Tive o privilégio de ser chamado para ministrar aulas no Colégio Militar de Porto Alegre há dez anos e desde lá tenho tido a honra e a satisfação de aprender com meus queridos alunos. Pobre daquele que está satisfeito com o que sabe, pobre daquele que perdeu a capacidade de indagar. O Mestre deve ser capaz de se maravilhar não apenas com o extraordinário, mas também com as coisas do cotidiano. Aprendemos desde o ventre materno e continuaremos esta incessante busca mesmo depois que nossas carnes tenham virado pó.


- Pequeno deus

Talvez não tenha respondido às indagações de meu querido amigo Carlos, mas, certamente, faço, aqui, uma confissão pública de minhas limitações, de minhas dores, de meus anseios e de minhas crenças. Encerro dizendo que ao descer o Rio Negro e passar um dia inteiro remando, sem avistar viva alma senti-me no paraíso, um Adão moderno, um pequeno deus solitário a vagar por um paraíso de águas negras.


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Desafiando o Rio-mar – De volta à Realidade

Desafiando o Rio-mar – De volta à Realidade


“Minha Missão, meu Desafio é um misto de sonho e fantasia, de solidariedade e aprendizado, de fascínio e puro encantamento, ao concluir cada fase, porém, minha Vida, meu Cotidiano, arrastam-me com suas garras impregnadas da mais crua realidade onde tento, em vão, manter a razão, a esperança e a fé”.
 (Hiram Reis e Silva).”

- Retorno a Porto Alegre (06 de fevereiro de 2011)

A convite do caro amigo Coronel Lúcio Flávio fui até a casa de seu filho, Capitão Luciano Flávio, almoçar antes de voltar a Porto Alegre. Infelizmente, preso ao horário, pouco pude desfrutar do convívio dos queridos amigos. Logo tivemos de partir para o caótico aeroporto de Santarém, caracterizado pela desordem, minúscula sala de espera, atraso e falta de cuidado no transporte da bagagem por parte da Gol Linhas Aéreas. Saímos com um atraso de mais de uma hora e as bagagens totalmente molhadas. Em Manaus, não foi diferente e o resultado foi que chegamos a São Paulo depois das vinte e duas horas perdendo a conexão para Porto Alegre, prevista para as 21h45, além de novo transtorno com as bagagens e informações desencontradas. Fomos informados por uma funcionária da Gol que deveríamos aguardar uma Van que nos levaria até o Hotel Dobly. Na verdade era o Hotel Bristol Dobly Category e só não perdemos a van porque o atento motorista veio nos procurar. A única ocorrência boa da viagem vale a pena salientar, foi o tratamento profissional e impecável que tivemos por parte dos funcionários do Hotel Bristol. O resultado final do imbróglio foi que perdi meu primeiro dia de aula no Colégio Militar de Porto Alegre graças à incompetência da Gol Linhas Aéreas Inteligentes.

 Hotel Bristol

- Reflexões (07/08 de fevereiro de 2011)

“Uma travessia. Uma aventura. Não sabemos bem. Talvez apenas um homem comum tentando entender aquilo que é humano, mas tão doloroso. Talvez uma perda tentando se transformar em vida. Quem sabe um encontro consigo, com seu passado. Quem sabe uma tentativa de reunir forças para seguir uma viagem solitária muito mais difícil que o solitário desafio contra o Rio-mar”.
 (Professora Silvana Schuler Pineda)

Meus alunos e alguns conhecidos, menos informados, me perguntam quando será minha última jornada náutica e eu respondo, sem pestanejar, quando meu corpo físico estiver repousando definitivamente no sepulcro, mas afirmo, também, que minha alma “Argonauta” rompendo os grilhões do tempo e do espaço continuará esquadrinhando outros horizontes, outras eras, outros entes. Minhas jornadas pelos amazônicos caudais fazem-me esquecer, ainda que temporariamente, de minhas dores e de minhas perdas infindas, permitem que eu olvide de minha impotência, de minha incapacidade de dar um maior conforto à esposa enferma, de poder pagar os estudos dos filhos ou estender-lhes a mão quando mais precisam. Ao Desafiar o Rio-mar sou envolvido, arrebatado pelo místico encantamento das águas e dos ventos que afastam momentaneamente as sombrias brumas que me acompanham, desde 8 de janeiro 2004, quando uma funesta AVC vitimou minha querida esposa.

Os reflexos psicológicos, que a doença de um familiar acarreta, e o consequente comprometimento das finanças exercem uma pressão sem precedentes na estrutura familiar. Graças ao Grande Arquiteto do Universo, temos conseguido sobreviver, aos trancos e barrancos, rolando dívidas impagáveis e suprimindo tudo aquilo que for considerado dispensável. Isso posto acho que alguns leitores estarão se perguntando se os custos do Projeto Aventura Desafiando o Rio-mar não seriam supérfluos e eu respondo que o Projeto só existe e só sobrevive graças à contribuição espontânea de amigos distribuídos por todo o país que vem fazendo doações que variam de R$ 50,00 a R$ 2.000,00. Eu não teria, jamais, nas atuais circunstâncias, de levá-lo adiante sem o apoio de amigos. Por isso, agradeço sensibilizado, novamente, a cada um que contribuiu com passagens, numerário ou material para que cumpríssemos nosso Projeto de Soberania.

É impressionante que a Legislação Brasileira tão permissiva com políticos e apaniguados não preveja a isenção do Imposto de Renda para os contribuintes que tenham altos custos com seus dependentes. Não peço para o Estado arcar com as despesas de três enfermeiras, fisioterapeuta, fonoaudióloga, dieta, remédios, fraldas geriátricas, transporte especial e outros itens, mas, apenas, isentar-me do Imposto de Renda já que essa irreversível situação agrava-se dia-a-dia podendo vir no futuro comprometer a sobrevivência de minha esposa.

A descida do Amazonas, nesta 3ª Fase do projeto, foi mágica e estamos compilando os materiais recolhidos, digitando as entrevistas orais, buscando bibliografia complementar necessária para compor o novo livro “Descendo o Amazonas I” que esperamos concluir até setembro deste ano. O “Descendo o Rio Negro”, já pronto e revisado, continua aguardando o patrocínio de 50% da obra, orçada entre R$ 18.000,00 e R$ 20.000,00 para uma tiragem de mil exemplares pela Editora da PUCRS.

- Descendo o Rio Madeira

RIO MADEIRA
“As águas claras e cristalinas do Rio Negro mal tinham perdido a sua transparência, misturando-se com as esbranquiçadas e turvas do Amazonas, quando encontramos do lado do Sul a primeira embocadura dum outro afluente que nada cede ao anterior, e que não é menos visitado pelos portugueses. É o que chamam Rio Madeira, talvez por causa da quantidade de árvores que carrega no tempo das cheias.” (Charles Marie de La Condamine - 1744)



Estamos trabalhando, também, no planejamento da descida do Rio Madeira prevista para ser iniciada a partir de 22 de dezembro do corrente ano. A 4ª fase do projeto deverá ser cumprida no prazo de um mês e pecorrer aproximadamente mil quilômetros. O caro amigo e mestre José Holanda, que conhecemos em Itacoatiara, pretende nos acompanhar e apoiar em parte do percurso com suas lanchas. Esperamos continuar contando com o apoio de nossos antigos e novos colaboradores para mais esta empreitada.


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Desafiando o Rio-mar – Belterra

Desafiando o Rio-mar – Belterra
Mirando o Futuro sem olvidar o Passado


 
“Weir ensinou o pessoal a fazer enxertos da forma correta. Mas o verdadeiro problema, disse o patologista, era que a Fordlândia não tinha espécimes seguros de onde tirar enxertos. Assim Edsel concordou com o pedido de Weir de viajar ao sudeste da Ásia, para Sumatra e Malásia, a fim de encontrar espécimes garantidos. Weir partiu, em junho de 1933, e obteve rapidamente 2.046 troncos enxertados de uma seleção garantida de árvores de alto rendimento. Embalados em serragem esterilizada, eles deixaram Cingapura no fim de dezembro, cruzaram o oceano Índico, passaram pelo Canal de Suez no início de 1934, atravessaram o Mediterrâneo e o Atlântico e subiram o Amazonas”. (Greg Grandin).”

- Belterra

Somente em 1932, depois do fracasso da baixa produtividade em Fordlândia, a companhia decidiu contratar um especialista no cultivo de borracha, o botânico James R. Weir, que havia trabalhado na American Rubber Mission. James reportou em seu relatório inicial uma série de omissões em aspectos elementares de gestão agrícola, e sugeriu como medida de urgência a importação do Sudeste Asiático, de clones de alta produtividade garantida e sugeriu a troca da área de Fordlândia por uma nova área, de 281 mil hectares a 48 quilômetros de Santarém, que além de permitir a navegação regular de navios de grande calado durante todo o ano, o terreno era melhor drenado, mais ventilado e menos úmido – condições menos favoráveis à propagação do “Mal-das-folhas”. A localização parecia perfeita e Ford denominou o local de “Bela Terra”, mais tarde conhecido como “Belterra”. Belterra era uma “cidade americana no coração da Amazônia”, com hospitais, escolas e casas de madeira, no estilo americano. Ford havia aprendido com Fordlândia e, agora, mesmo a Vila Americana onde residiam os altos funcionários foi construída de madeira, as construções faraônicas que no projeto anterior abrigaram o refeitório, a casa de força e fábrica, foram substituídas por instalações bem mais modestas. A massa de operários que lá era recrutada dentre os ribeirinhos não afeitos à rigidez do regime do trabalho e à disciplina impostos pelos capatazes de Ford foi suprida, em grande parte, por trabalhadores braçais oriundos do sertão nordestino, que fugiam da Grande Seca de 1929. Seis anos depois de ter implantado a Fordlândia, a Companhia Ford tentava, novamente, produzir borracha na Amazônia Brasileira.
Em 1934, chegaram os 53 clones selecionados por Weir, mas apesar da melhor localização, salubridade e seleção das mudas o seringal também foi atacado pelo “Mal das Folhas”. Mas graças à utilização de práticas de manejo, seleção de sementes, emprego de mudas mais resistentes, enxertia de copa e controle com fungicidas, permitiram que o seringal passasse a conviver com o Microcyclus. Belterra de 1938 a 1940 foi um dos maiores produtores de seringa do mundo. Com o final da 2ª Guerra Mundial, e a consequente importação da borracha do sudeste asiático, a grande incidência de doenças nos seringais e, principalmente, a descoberta da borracha sintética contribuíram para a decadência do projeto e a Companhia Ford “abandonou o sonho”.

A “cidade americana” foi transformada, então, em Estabelecimento Rural do Tapajós (ERT), sob a jurisdição do Ministério da Agricultura e, somente em 1997, conseguiu sua emancipação.

- Visita a Belterra (3 de fevereiro de 2011)

Agendamos uma visita a Belterra onde fomos gentilmente recebidos pelo senhor Valdemar Sanches da Silva, Chefe de Gabinete do Prefeito Geraldo Irineu Pastana de Oliveira. Valdemar discorreu, com entusiasmo, sobre a história e os projetos que estão em andamento na sua cidade. Diferente do descaso e da omissão verificada pelos políticos de Fordlândia a Prefeitura de Belterra partiu corajosamente na busca de parceiros para recuperar seu patrimônio e sua história. Acompanhados pelo Chefe de Gabinete passeamos pela cidade e conhecemos a oficina – que ainda utiliza máquinas da década de 30, do século passado, recuperadas pelos zelosos funcionários da Prefeitura.


Conhecemos a Casa Um, a Vila Americana, a Vila Mensalista e a Vila Operária. Infelizmente poucas são as casas que mantém seus jardins bem cuidados como nos tempos áureos da borracha e, infelizmente, todas exibem cercas em seus terrenos que não existiam na época do Projeto de Ford. Curiosamente na gigantesca Caixa D’água de metal ainda existe o mesmo apito que tocava e ainda toca nas mesmas horas do longínquo pretérito em memória de um sonho americano que não vingou.
A Casa Um, localizada na estrada 02, tinha vista privilegiada para o Rio Tapajós. Possui ampla varanda, grande salão e várias dependências. Existem, ainda, no local, utensílios originais deixados pelos americanos. Esta casa foi projetada para servir de residência a Henry Ford quando ele visitasse Belterra, o que nunca aconteceu. A Vila Americana era residência dos funcionários do primeiro escalão da Companhia Ford. A Vila Mensalista era residência dos funcionários do segundo escalão da Companhia que recebiam seus pagamentos mensalmente, daí a origem do nome da Vila. As residências são menores que as da Vila Americana. A Vila Operária era restrita aos funcionários do terceiro escalão, formada por carpinteiros, mecânicos, motoristas e outros. Estes operários eram pagos quinzenalmente. As casas eram bem mais simples e não possuíam varandas. Passamos pelo Hospital, necrotério e encerramos nossa visita no Centro de Memória de Belterra.

- Visita ao Centro de Memória de Belterra


Encontramos no Centro de Memória o professor Osenildo Maranhão, agente de atendimento, filho de seringueiros da Companhia Ford que nos apresentou entusiasmado os projetos e o acervo do Centro. A instalação servia, antigamente, de residência para os médicos do “Hospital Henry Ford” e foi o primeiro prédio histórico restaurado pelo Projeto “Muiraquitan Brasil”, fruto da parceria com o Instituto Butantan e a OSCIP (Organização de Sociedade Civil de Interesse Público) Ama Brasil. O Centro localiza-se na Vila Americana nº 108, Bosque das Seringueiras.

“Pesquisadores do Butantan em conjunto com o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) trabalham de forma intensa na reconstrução do acervo histórico desta cidade e este Centro serve de apoio ao trabalho de pesquisa e possibilita o acesso as informações para os moradores e estudantes da região”.
 (Otavio Azevedo Mercadante, diretor do Instituto Butantan)

O Centro, inaugurado em 01 de maio de 2010, tem a missão de incentivar e divulgar pesquisas sobre a história do Município através de projetos e ações educativas destinados à valorização do patrimônio e da memória local. Para atingir esse objetivo o Centro recolhe, cataloga, preserva e disponibiliza acervos históricos adquiridos para consulta pública. O Projeto é bastante amplo e pretende mudar, parcialmente, a face da cidade fazendo-a retornar ao seu antigo visual. É uma missão árdua que tem o Prefeito Pastana e seus colaboradores pela frente, mas que, certamente, se for concretizada, trará benefícios para todos seus moradores.

É um exemplo louvável e que deve ser imitado por administradores de todos os níveis de governo e em todas as regiões do país. Um país que não cultua o seu passado, que não valoriza suas origens, que não é capaz de aprender com os acertos e os erros pretéritos certamente não merece, nem será capaz de empreender uma marcha segura para o futuro.

Fontes:            GRANDIM, Greg. Fordlândia: Ascensão e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva. Rio de